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Destaques dos Palcos Paulistanos em 2025

Pedro A. Duarte promove retrospectiva (de algumas) das peças teatrais que estiveram em cartaz na cidade de São Paulo durante o ano de 2025


Há dois anos, decidi criar uma lista para rememorar as peças que mais gostei de assistir no decorrer do ano. Tanto a edição de 2023 como a de 2024 repercutiram muito bem com a classe artística, me estimulando a dar continuidade a esse projeto. Então, antes de mais nada, gostaria de agradecer aos artistas de teatro que confiam no meu trabalho - saibam que minha maior preocupação aqui é valorizar essa forma de arte a qual vocês dedicam suas vidas com tanto carinho e afinco.


Você irá reparar que o nome da lista mudou. Antes, era chamada de “Destaques do Teatro Paulistano”. O uso de “Teatro Paulistano” dá a impressão de que irei falar de peças que tiveram sua origem (seja a primeira temporada, seja sua companhia/grupo/produtora) na cidade de São Paulo; só que em ambas as listas de 2023 e 2024 haviam peças com origens em outros estados. Por isso, troquei o termo para “Palcos” reforçando a ideia de que os espetáculos foram apresentados na capital paulista, com a possibilidade de origens diversas.


Outra mudança com relação às listas anteriores está na seleção. Em 2023 e 2024, eu trouxe para lista peças que tiveram grande repercussão (de público, crítica ou em premiações), mas que eu não necessariamente gostei. Em 2023, apenas fiz um breve comentário sobre a peça; em 2024, este comentário veio com a explicação das razões pela qual eu não tinha achado a peça tão interessante. Tendo em vista que, neste ano, comecei a escrever uma newsletter de críticas teatrais algumas peças que tiveram grande repercussão, mas que eu achei equivocadas, já foram criticadas na newsletter – então não tem muito pra quê repetir isso nesse texto; eu também não gostaria de colocar estas peças lado a lado com outras obras que eu genuinamente achei interessantes. Então a partir deste ano saiba que todas as peças que estão aqui eu genuinamente gostei.


Falando da newsletter todas as peças que você irá encontrar aqui, você já terá lido uma apreciação sobre elas na minha newsletter As Bacantes do Tietê, que escrevo como um “suplemento teatral” da Revista Galérica (aliás, se você ainda não se inscreveu tá esperando o quê? É só clicar aqui). Isso tornou o meu trabalho de rememoração mais fácil e dispensa apresentações aos espetáculos. Algumas dessas peças também foram indicadas na Agenda Cultural, newsletter mensal de dicas culturais oferecida pelos colaboradores da Galérica. Também acho importante agradecer aos leitores das newsletters e da revista por acompanharem meu trabalho com tanto carinho – espero que vocês tenham encontrado espetáculos legais para assistir esse ano!


Então, sem mais enrolação, vamos começar essa lista! Confira a seguir alguns destaques do ano de 2025 (em ordem alfabética). No final do texto, você encontra a seção: “Melhores do Ano”.


PEÇAS TEATRAIS

Apenas o Fim do Mundo (Juste la Fin du Monde, 1990), de Jean-Luc Lagarce [Grupo Magiluth, 2019]

A escolha da encenação realizada pelo grupo recifense Magiluth de Apenas o Fim do Mundo como peça inaugural do centro cultural do Instituto Brasileiro de Teatro (iBT) foi acertada. Sob a direção de Giovana Soar e Luiz Fernando Marques Lubi, o espetáculo era realizado de forma itinerante, percorrendo todos os cantos do saguão do edifício sem se restringir apenas ao espaço que foi delimitado como sendo o “Palco Praça” do complexo. Assim, espectadores tiveram a oportunidade de explorar cada ambiente tendo um drama familiar como guia. O iBT foi fundado em 2022 com a proposta de fomentar o teatro do país, o fato de sua curadoria ter convidado um grupo recifense, fora do eixo Rio-SP, também demonstra seu compromisso com a pluralidade regional e descentralizadora do projeto.


O elenco do grupo é fenomenal. Nesta montagem, era interessante reparar como dos cinco atores, três estavam interpretando mulheres: a caracterização em nada remetia a uma “mulheridade”, eles não vestiam saias ou peruca, não rasparam a barba – era possível reparar apenas em uma certa delicadeza nos gestos de Erivaldo e Giordano e ocasionalmente um tom de voz suavizado. A interpretação desse trio em específico era interessante justamente porque mais do que representar um gênero, eles optaram por representar personagens. O caráter itinerante da peça também parece se afigurar como uma marca na linguagem da companhia: essa exploração das diversas possibilidades que um espaço cênico oferece também era notada em Édipo REC (destacada ano passado), onde espectadores podiam subir no palco do Sesc Pompeia durante o primeiro ato, para festejar em meio aos atores como se estivessem em uma balada.


Apenas o Fim do Mundo foi apresentado durante dois finais de semana como peça inaugural do novo Centro Cultural iBT – o espetáculo esteve em cartaz no espaço nos dias 29, 30 e 31 de agosto e 01, 05, 06, 07 e 08 de setembro. A estreia do espetáculo ocorreu em 11 de abril de 2019 no Sesc Avenida Paulista, onde permaneceu em cartaz até 05 de maio daquele ano.


*Este espetáculo foi comentado na edição de setembro de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Avenida Paulista, da Consolação ao Paraíso (2025), de Caetano Galindo, Felipe Hirsch, Guilherme Gontijo Flores e Juuar

O espetáculo comandado por Felipe Hirsch fez parte das comemorações do 60º aniversário do Teatro Popular do Sesi. Tratava-se de uma “peça-documentário” sobre o espaço mais icônico da capital paulista, em especial das pessoas que passam pela avenida cotidianamente. Avenida Paulista… foi criado de maneira colaborativa por diversos artistas. Além do time de dramaturgos, quatorze compositores escreveram músicas para a peça.


No palco doze atores e atrizes deram vida para os transeuntes, funcionando como um coro. Em conjunto, eram as grandes estrelas do espetáculo justamente por ninguém se sobressair entre eles. Em uma trupe com artistas vindos de uma variedade de experiências, era impressionante o quão equalizada estava as atuações: os artistas moviam-se em unidade, tornavam-se pessoas banais. Se em algum momento um deles se destacava para arrancar risadas ou suspiros, logo depois o ator ou a atriz voltava para o pano de fundo. 


Provavelmente o espetáculo mais interessante deste ano, Avenida Paulista nos surpreendia com seu cenário monumental, projetado por Daniela Thomas e Felipe Tassara, que emulava o edifício do conjunto nacional; e com uma sequência de 18 minutos na qual chovia no palco - com o elenco realizando cenas inteiras sob as gotas, se encharcando. Mais do que um deleite para os olhos, Felipe Hirsch e sua equipe nos deram oportunidade rara de simplesmente parar o que estamos fazendo e contemplar um dos ambientes mais caóticos do nosso país e, com calma, abrir os olhos para quanta vida pode existir em uma avenida.


O espetáculo musical Avenida Paulista, da Consolação ao Paraíso estreou em 15 de fevereiro no Teatro Sesi, onde permaneceu em cartaz até 29 de junho.


*Este espetáculo foi comentado na edição de maio de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Cena de Avenida Paulista, da Consolação ao Paraíso. Foto: Helena Wolfenson
Cena de Avenida Paulista, da Consolação ao Paraíso. Foto: Helena Wolfenson

Cenas da Menopausa (2025), de Anna Toledo

O novo espetáculo protagonizado por Cláudia Raia dava a sensação de estarmos assistindo àquelas chanchadas que marcaram o teatro brasileiro em meados dos anos 1980 e se tornaram clássicos, como Trair e Coçar é Só Começar ou O Mistério de Irma Vap. Quanto ao enredo de Cenas da Menopausa, o título já diz tudo: foram apresentados episódios nos quais diferentes mulheres encaram aspectos da menopausa, cada uma à sua maneira. Dentre essas mulheres, testemunhamos a história de Teresa, que está se deparando com os primeiros sintomas de menopausa e não sabe muito bem como lidar com esta nova etapa de sua vida. É uma peça que se vale do humor como uma forma de abordar o tema de maneira descontraída (além de utilizar paródias musicais de hits como Like a Virgin, Total Eclipse of the Heart ou My Favorite Things).


Essa variedade de personagens em situações cômicas foi um dos elementos que traz brilho para o espetáculo. Nele, Claudia Raia se despia da persona das divas que está acostumada a interpretar para trazer seu lado de comediante. Ao lado de seu fiel escudeiro e diretor do espetáculo Jarbas Homem de Mello, a dupla demonstrava aptidão para o humor, valendo-se tanto de comédia física, quanto de tiradas disparadas durante os diálogos, como também de quiprocós proporcionados pela dramaturgia. Era um humor típico de chanchadas que busca o riso frouxo e, justamente por isso, torna Cenas da Menopausa uma delícia de assistir.


O musical tinha um público-alvo bem delineado e, observando a plateia, era possível constatar que ela era composta majoritariamente por mulheres de quarenta anos ou mais – mulheres que irão passar pela menopausa, já passaram ou estão passando. Durante a sessão era possível ouvir o riso feminino ecoando por toda a extensão do Teatro Claro MAIS, seguido de pequenos comentários que as espectadoras faziam para suas amigas dizendo que “é bem assim” – era inegável que elas se viam representadas naquelas cenas e, também, sentiam-se acolhidas. Dessa forma, Cenas da Menopausa prova que o teatro ainda cumpre sua função de ágora.


Cenas da Menopausa fez sua estreia brasileira no Teatro Guaíra em 06 de junho, onde permaneceu em cartaz até o dia 08 daquele mês. O espetáculo cumpriu sua primeira temporada no país no Teatro Claro MAIS de São Paulo entre os dias 12 de junho e 28 de setembro. O espetáculo estreou no dia 29 de janeiro no Teatro Tivoli, em Lisboa, capital de Portugal.


*Este espetáculo foi comentado na edição de julho de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


O Céu da Língua (2024), de Gregório Duvivier

Descrito como uma mistura de Stand-up com poesia falada e dramaturgia, o novo monólogo de Gregório Duvivier era uma verdadeira aula de Português. Durante a peça, ele trazia curiosidades sobre a origem das palavras e da linguagem, sobre a métrica utilizada em poemas, sobre a variação linguística nos modos de falar, além de compartilhar impressões próprias sobre a sonoridade das palavras. Trata-se de um espetáculo muito engraçado, divertido e também inteligente. Inteligente no sentido de ser uma obra que aguçava a nossa vontade de aprender coisas novas. A proposta do monólogo era mostrar para seus espectadores como a língua Portuguesa, em especial sua variação Brasileira, é muito rica e interessante. E ao final, percebemos que seu propósito foi cumprido com primazia - tanto por causa da perspicácia de seu intérprete e dramaturgo, como também pela direção lúdica de Luciana Paes.


O Céu da Língua esteve em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso entre os dias 1º e 25 de maio; o solo também fez uma apresentação especial no Theatro Municipal de São Paulo em 02 de agosto. O monólogo estreou dia 14 de novembro de 2024 em Lisboa (Portugal), no Teatro Aberto, onde permaneceu em cartaz até o dia 1º de dezembro. A estreia brasileira do espetáculo ocorreu no dia 06 de fevereiro no Teatro Municipal Carlos Gomes (Rio de Janeiro, RJ), onde permaneceu em cartaz até o dia 23 de fevereiro.


*Este espetáculo foi comentado na edição de maio de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Dois Papas (The Pope, 2017), de Anthony McCarten

A peça do dramaturgo neozelandês imagina um encontro fictício entre Joseph Ratzinger (Zécarlos Machado), o Papa Bento XVI, e o cardeal Jorge Bergoglio (Celso Frateschi), que no tempo do enredo é o futuro Papa Francisco. Sua trama ficou conhecida em 2019 a partir do filme de mesmo nome dirigido por Fernando Meirelles. Tanto Ratzinger como Bergoglio pretendem se aposentar: o primeiro almeja o descanso por não entender seu perfil como um bom comandante da Igreja naquele tempo de crise; enquanto o segundo se encontra cansado de viver uma vida dedicada a ajudar ao próximo sem reparar em mudanças significativas na sociedade.


A dramaturgia se estrutura como um drama de conversação no qual o embate de ideias opostas e seus argumentos estão em evidência. De um lado, representantes mais conservadores da Igreja; de outro, figuras mais progressistas que buscam reformá-la. A peça apresenta uma fotografia de um período histórico, mais precisamente o início da década de 2010. Naquele período, os discursos progressistas ganhavam tração ao mesmo tempo em que a sombra do reacionarismo ainda rondava as cúpulas do poder. Temas como o aborto, o casamento entre homossexuais, a convivência com outras religiões e conflitos geopolíticos são debatidos pelos personagens, mostrando em qual fase estava a discussão de cada tema e possibilitando ao espectador avaliar o quanto a sociedade avançou ou regrediu naqueles pontos. Ainda que a princípio o debate pareça ser conflituoso, ambas as visões ganham espaço para serem amplamente discutidas e consideradas e, aos poucos, passam a encontrar pontos em comum.


O que tornava Dois Papas interessante e evitava que seu discurso se tornasse panfletário era justamente o retrato de seus personagens: mostrando suas vulnerabilidades, suas falhas, seus gostos pessoais por um programa televisivo ou por uma banda pop – especialmente o companheirismo que os pontífices demonstram com as suas interlocutoras e que, aos poucos, desenvolviam entre si.


É um texto que pede um elenco capaz de navegar a complexidade dos debates e, ao mesmo tempo, construir personagens esféricos e carismáticos. Zécarlos e Celso são atores com uma trajetória longeva no teatro, o que tornava o trabalho de ambos bem afiado para a empreitada. Zécarlos construía um Papa Bento XVI rigoroso cujo conservadorismo passa a dar espaço para a vulnerabilidade e um autoquestionamento tanto de seu trabalho quanto de suas certezas. Por outro lado, Celso apresentava o Cardeal Bergoglio de forma bastante calorosa, demonstrando a simplicidade do pontífice. Mais do que um encontro entre autoridades históricas, o mais interessante de assistir em Dois Papas era o encontro entre dois atores experientes que, cada um à sua maneira, contribuíram para o avanço e formação do teatro brasileiro.


A peça Dois Papas estreou em 21 de março no Sesc Santo Amaro, onde permaneceu em cartaz até 27 de abril. Depois, a peça fez uma temporada no Teatro Cultura Artística entre os dias 22 de agosto e 09 de setembro. A peça fez parte da mostra “2025 em Cena” realizada pela Prefeitura de São Paulo com apresentações no Teatro Arthur Azevedo nos dias 19 e 20 de dezembro. O espetáculo voltará em cartaz nos dias 07 e 08 de fevereiro no BTG Pactual Hall – os ingressos podem ser adquiridos no Sympla.


*Este espetáculo foi comentado na edição de setembro de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Celso Frateschi e Zécarlos Machado em cena da peça Dois Papas. Foto: Alê Catan.
Celso Frateschi e Zécarlos Machado em cena da peça Dois Papas. Foto: Alê Catan.

(Um) Ensaio sobre a Cegueira (2025), de Rodrigo Portella [Grupo Galpão]

Elaborado em comemoração aos 30 anos da publicação de Ensaio Sobre a Cegueira, o espetáculo levou a história para os palcos por meio da dramaturgia e direção de Rodrigo Portella. Em um espetáculo dinâmico, que trazia uma trilha musical instigante e mesclava momentos cômicos com sequências de grande dor e angústia, talvez o que mais tocasse o público fosse a similaridade assustadora da trama com os primeiros meses da pandemia de covid-19 e com o período de quarentena subsequente. Assistindo ao espetáculo tinha-se a dimensão de como ainda estamos lidando com o trauma daquele período. Ao elencar estes elementos, era possível aos espectadores elaborarem sobre seus traumas e, então, buscar curas possíveis.


O remédio proposto pela montagem estava na coletividade. O espetáculo terminava quando toda a plateia se engajava com a experiência e, ao lado do elenco, deixava o auditório para ocupar as ruas. Um gesto de grito pela liberdade, de rompimento com o isolamento e também uma ferramenta potente de expressão política. 


Se a escrita de Saramago borra os limites de narrador e personagens ao separar os diálogos da narração valendo-se apenas de uma vírgula, a peça borrava esses limites ao colocar o elenco para narrar cada cena e oscilar entre a voz de um narrador e a voz da própria personagem que interpreta, ou até oscilar entre a descrição de uma cena e sua realização cênica. Ainda que pontualmente algumas atrizes se destacassem – seja a força de Lydia del Picchia; seja a atuação precisa e visceral de Fernanda Vianna como a mulher que enxerga; seja a composição bem-humorada (e, até por isso, maléfica) de um chefe do exército feita por SImone Ordones – o Galpão se movia sempre em conjunto e cuidando de cada colega de cena. Já a encenação de Rodrigo apostava na essência da teatralidade ao valer-se de mecanismos do teatro épico.


(Um) Ensaio Sobre a Cegueira se mostrou como uma obra potente e, com o tempo, talvez passe a ser considerada a obra-prima do Grupo Galpão. Por isso, não deixo de pensar que seria interessante que o grupo registrasse a obra em vídeo (assim como fez com seu Romeu e Julieta e Os Gigantes da Montanha) de forma a garantir sua posterioridade. E, é claro, torço para que realizem uma turnê em Portugal – afinal, o fantasma de Saramago merece ver uma obra tão respeitosa e inventiva a partir de seu trabalho.


(Um) Ensaio Sobre a Cegueira realizou uma temporada no Sesc 24 de Maio entre 20 de novembro e 14 de dezembro. O espetáculo estreou em 30 de abril no Galpão Cine Horto, em Belo Horizonte (MG), onde permaneceu em cartaz até 01 de junho.


*Este espetáculo foi comentado na edição de dezembro de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Cena da peça (Um) Ensaio Sobre a Cegueira. Foto: Guto Muniz.
Cena da peça (Um) Ensaio Sobre a Cegueira. Foto: Guto Muniz.

A Gaivota (Tchayka, 1896), de Anton Tchekhov [Companhia Bípede, 2023]

A versão de A Gaivota realizada pela Cia. Bípede, encantava o público utilizando a palhaçaria para compor a linguagem do espetáculo e dar vida aos seus personagens. Mais do que um recurso para reforçar o humor (por vezes esquecido) das peças de Tchekhov, esta escolha fazia com que os espectadores desenvolvessem empatia e afeto para com os personagens, fazia com que nos importássemos com Nina e Trepliov. Nós, brasileiros, amamos comédias e rapidamente nos entregamos ao riso. Mas isso acaba se tornando uma armadilha: por contraste, o humor deixa o último ato, mais sóbrio e melancólico, ainda mais comovente.


Os destaques dessa montagem vão para o elenco, que se apresentava com muito entrosamento e agilidade. Além das músicas escolhidas a dedo para embalar o espetáculo -  cantadas em coro e tocadas ao vivo por meio de violões, acordeão, pandeiro e escaleta.


A montagem de A Gaivota pela Companhia Bípede foi  encenada pela primeira vez em 05 de maio de 2023 na Sala Paissandu da Galeria Olido, finalizando a temporada no dia 28 daquele mês. O espetáculo realizou uma nova temporada entre os dias 15 de janeiro e 19 de fevereiro no Teatro Itália.


*Este espetáculo foi comentado na edição de janeiro de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.

A Grande Magia (La Grande Magia, 1948), de Eduardo de Filippo [Cia. Elevador de Teatro Panorâmico, 2025]

A montagem de A Grande Magia, do dramaturgo italiano Eduardo de Filippo, celebrava os 25 anos de trajetória da Cia. Elevador de Teatro Panorâmico – além de ser a primeira montagem profissional da peça no Brasil. Considerado um dos artistas de teatro mais importantes da Itália no século passado, seu dramaturgo utilizava o humor para retratar as crises sociais compondo comédias agridoces sobre a vida familiar napolitana, especialmente após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).


A Grande Magia foi escrita no contexto pós-Segunda Guerra, quando a Itália ainda sofria as consequências do conflito. Naquele período, os espectadores napolitanos esperavam por um espetáculo que os acalentasse e distraísse da realidade dura e, no entanto, De Filippo optou por levá-los a refletir sobre este sentimento. Com muito humor e certa melancolia, a peça assume que precisamos de algum tipo de ilusão (ou, talvez sonhos) para seguirmos adiante com a vida, ao mesmo tempo em que alerta para o perigo de manipulações e promessas boas demais para serem verdade. A arte se mostra tanto uma ferramenta de alerta como de alienação. Ainda que escrita há três quartos de século, suas temáticas ainda ecoavam na realidade brasileira.


Sob a direção de Marcelo Lazzaratto, era interessante reparar como a montagem levava a plateia a entrar na ilusão: o ator João Portella abria o espetáculo interpretando um criado do hotel, narrando as rubricas do texto e introduzindo personagens que, à princípio, eram compostos de maneira muito marcada e planificada – a cada momento que passava (especialmente quando deixamos o hotel), as personagens ganhavam contornos. Todos os números de mágica, em vez de serem realizados, eram narrados por João, personagens saiam de cena narrando sua própria morte. Assim, a plateia era convidada a imaginar e a entrar naquele jogo tão irresistível quanto perigoso. O próprio elenco era responsável por realizar as trocas de cenário diante dos olhos da plateia, descortinando as ilusões do fazer teatral. Assim, a Cia. Elevador apostava na força do texto e da atuação para mostrar o teatro em sua forma plena – e também sua melhor forma.


A Grande Magia estreou no Teatro Raul Cortez, do Sesc 14 bis, em 30 de agosto, onde permaneceu em cartaz até 21 de setembro.


*Este espetáculo foi comentado na edição de setembro de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Os Irmãos Karamázov (2024), de Caio Blat e Manuel Candeias

A adaptação teatral do clássico de Dostoiévski condensou o calhamaço para duas horas de espetáculo, enquadrando a trama no período de três dias que antecedem o fratricídio de Fiódor Karamázov (Babu Santana). O espetáculo se apresentava como uma boa introdução para aqueles que ainda não haviam lido o romance, demonstrando que o projeto de Caio Blat havia funcionado - suas intenções eram justamente produzir um espetáculo que fosse popular.


O destaque desta montagem vai para o elenco e seu trabalho em conjunto, muitas vezes funcionando como um coro. O enredo é conduzido a partir do ponto de vista de “Aliocha” (Nina Tomsic), que é dispensado da ordem religiosa na qual atua para mediar os conflitos entre os homens Karamázov, conflitos estes centralizados na figura do irmão mais velho Dmitri (Luísa Arraes) e as mulheres com as quais está envolvido. Era interessante reparar que nem sempre o gênero de um personagem era equivalente ao de seus intérpretes: se deu um lado Nina Tomsic e Luisa Arraes interpretavam dois dos personagens titulares, Pedro Henrique Muller se dividia entre os papéis de Smerdyakov e Catierina.


A produção do espetáculo também se preocupou em promover outras medidas de acessibilidade: haviam duas intérpretes de Libras atuando como atrizes em cena e, além disso, um livro-tátil era disponibilizado no saguão do teatro, antes do início da apresentação, para pessoas com baixa visão ou cegas pudesse conhecer melhor as texturas dos figurinos e demais objetos de cena que aparecem no decorrer da peça.


Os Irmãos Karamázov esteve em cartaz no Sesc Pompeia de 25 de fevereiro a 30 de março. O espetáculo estreou no Rio de Janeiro em 18 de dezembro de 2024 no Teatro Arena do Sesc Copacabana, depois realizou uma temporada de 08 a 26 de janeiro no mesmo teatro.


*Este espetáculo foi comentado na edição de março de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Nina Tomsic e Luisa Arraes em cena da peça Os Irmãos Karamázov. Foto: Lorena Zschaber.
Nina Tomsic e Luisa Arraes em cena da peça Os Irmãos Karamázov. Foto: Lorena Zschaber.

João (2025); Marcelo Marcus Fonseca, Vitor Rocha e Marco França [Cia da Revista]

O novo musical da Cia. da Revista completa a trilogia “Conexão São Paulo-Pernambuco” realizada pela companhia – sendo os espetáculos anteriores Nossos Ossos (2021) e Tatuagem (2022). A trama compara a história de vida do poeta João Cabral de Melo Neto (interpretado por Vitor Vieira) com um outro João (Dudu Galvão), desta vez um personagem fictício. Enquanto Cabral de Melo sai de Pernambuco para o Rio de Janeiro, João vai parar em São Paulo onde acaba sendo acolhido por Gaivota (Marina Mathey) uma artista de cabaré que luta contra o despejo da casa onde viveu sua vida inteira.


A trama de Gaivota permitia que João estabeleça paralelos com Morte e Vida Severina, poema de Cabral de Melo que ganhou notoriedade ao ser adaptado para os palcos como um musical. Se o poema trata da distribuição de terras no contexto agrário, o musical da Cia. da Revista leva a questão para os centros urbanos para questionar o crescimento das grandes cidades, que empurra a população mais pobre para a periferia e constrói prédios luxuosos que acabam vazios. O “timming” não poderia ser mais trágico, naquele mesmo bairro, a Cia. Mungunzá travava uma luta contra a prefeitura que queria desapropriar sua sede, o Teatro de Contêiner, para o projeto de um hub de moradia social.


O espetáculo equilibrava discussões sobre arte, presente nos encontros de Cabral de Mello com outras personalidades da cultura; com a realidade árida do país tratando não só de temas como a distribuição de terras ou a moradia, como também o trabalho precarizado e a transfobia. Um dos destaques vai para a atuação de Marina Mathey no papel de Gaivota. Desde seu retorno aos palcos com Brenda Lee e o Palácio das Princesas, a atriz tem demonstrado seu talento com atuações viscerais de personagens marcados tanto por sua força, quanto por sua vulnerabilidade e sua presença cênica é magnética.


João esteve em cartaz no Espaço Cia. da Revista entre 13 de junho e 03 de agosto.

*Este espetáculo foi comentado na edição de junho de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Cena do musical João. Marina Mathey interpreta Gaivota. Foto: Edgar Machado.
Cena do musical João. Marina Mathey interpreta Gaivota. Foto: Edgar Machado.

Lady Tempestade (2024), de Silvia Gomez [Quintal Produções]

A dramaturgia de Lady Tempestade lida com o receio de Andrea Beltrão em lidar novamente com um tema tão pesado quanto a ditadura militar, responsável por torturar e assassinar diversos cidadãos. Na trama, uma atriz, nomeada como A., recebe os diários da advogada pernambucana Mércia Albuquerque pelo correio a partir de uma sugestão de R.. Ela teme lidar com o conteúdo das páginas, mas o diário não para de chamá-la. Aos poucos, a atriz se aprofunda tanto na leitura que sua própria figura passa a se confundir com a da advogada e, assim, passamos a conhecer a história de Mércia e seu trabalho na defesa de presos políticos durante a ditadura.


O tema central de Lady Tempestade é a memória e o quanto sua permanência ou ausência tem a capacidade de moldar quem somos e em qual país viveremos. Uma frase é repetida durante todo o monólogo: “essas coisas acontecem aconteceram  acontecerão.” É justamente o fato dos horrores da ditadura terem sido jogados para debaixo do tapete, é justamente o fato dos torturadores não terem sido julgados, que permite com que policiais militares assassinem meninos pretos nas favelas, por exemplo. Lady Tempestade dedica uma porção considerável de sua narrativa às mães de presos políticos e suas tentativas, ao lado de Mércia, para libertá-los ou, ao menos, poder sepultar seus corpos.


O espetáculo se tornava impactante quanto mais A. se aproxima de Mércia e os detalhes sobre os anos de chumbo eram narrados. Nem é preciso dizer o quanto a interpretação de Andrea Beltrão fiu magistral ao navegar os sentimentos de ambas as personagens: de um lado, A. era mais introspectiva, melancólica e tinha medo de mexer no passado; já Mércia, apesar do apelido que concede o título da peça, se mostrava como uma figura solar, decidida e escrevia para o futuro. A direção de Yara de Novaes era precisa em equilibrar os momentos de tensão para que eles também incitassem nossa indignação, sem deixar a experiência indigesta ou se esquecer de olhar para as flores que nascem no asfalto.


Ao resgatar a memória de Mércia, o monólogo somou-se ao coro de obras brasileiras que, juntas, fizeram o trabalho de não deixar que as atrocidades cometidas pelos militares sejam esquecidas. Mais que isso, ao lado de filmes como Ainda Estou Aqui, Zé, A Batalha da Rua Maria Antônia e de espetáculos teatrais como Codinome Daniel, a peça ajudava a valorizar aqueles que foram os verdadeiros heróis e heroínas de nossa nação. Ao mesmo tempo, o resgate do trabalho imprescindível de Mércia é uma maneira de dar aos mortos, assassinados pela ditadura, as homenagens fúnebres que lhes foram negadas pelo Estado.


Lady Tempestade esteve em cartaz de 30 de maio a 06 de julho no Teatro Anchieta do Sesc Consolação. Depois, o espetáculo foi transferido para uma temporada no Teatro FAAP entre 08 de agosto e 05 de outubro. O monólogo estreou no Teatro Poeira, Rio de Janeiro (RJ), em 04 de janeiro de 2024, onde permaneceu em cartaz até 04 de fevereiro. O texto do espetáculo foi publicado pela editora Cobogó.


*Este espetáculo foi comentado na edição de junho de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Andrea Beltrão em Lady Tempestade. Foto: Nana Moraes.
Andrea Beltrão em Lady Tempestade. Foto: Nana Moraes.

Macacos (2016 - ), de Clayton Nascimento [Cia. do Sal]

Escrito, dirigido e interpretado por Clayton Nascimento, o monólogo Macacos é um verdadeiro “tour de force”. Não apenas por sua duração, que chega a três horas  ao todo (nas apresentações da 13ª Flup, foram quatro); como também devido a sua proposta: evidenciar os eventos históricos que permitiram o desenvolvimento do racismo brasileiro. Seu projeto ficava evidente durante um quadro nomeado “Uma aula que você não teve”: nela Clayton discorria sobre a História Brasileira evidenciando os eventos que acabaram por formar a estrutura do racismo brasileiro; apesar do tema, ele optava por uma abordagem bem humorada, com algumas piadas salpicadas pela narrativa, e uma conversa direta com a plateia - o fato dos espectadores se deliciarem ao participar dessa “aula” demonstrava o domínio que Clayton tem sobre o público.


O “tour de force” também diz respeito ao desempenho de Clayton ao interpretar seu texto. Normalmente, o que mais impressiona aos espectadores é sua capacidade de memorizar um texto tão longo, além de realizá-lo com pouquíssimas pausas. Olhares e ouvidos mais apurados também repararam o trabalho corporal e vocal de Clayton ao interpretar uma variedade de personagens e conduzir os ritmos do espetáculo.


Por fim, atestando o poder de Macacos (e, por extensão, de uma boa peça de teatro), o monólogo também obteve êxito na luta por justiça com relação ao assassinato do menino Eduardo de Jesus, uma criança de seis anos de idade. O garoto brincava no quintal de sua casa quando dois policiais militares invadiram o terreno e atiraram nele. Clayton uniu forças a Terezinha Maria de Jesus, mãe de Eduardo, convidando-a a estar presente em todas as apresentações do espetáculo para que ela pudesse falar ao público após os aplausos. Esse gesto trouxe visibilidade para a causa de Terezinha e acabou fazendo com que o caso fosse reaberto na Justiça.


Macacos esteve em cartaz de 10 de abril a 12 de junho no Sesc Bom Retiro. A primeira versão do monólogo estreou no Teatro Popular Oscar Niemeyer em 25 de setembro de 2016. Desde então, o trabalho vem recebendo novas elaborações e reescritas. Uma versão do texto foi publicada pela editora Cobogó em 2022.


*Este espetáculo foi comentado na edição de maio de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.

oS mambembeS (2024); adaptação de Daniel Belmonte, Emílio de Mello e Gustavo Guenzburguer a partir de de Artur Azevedo e José Piza (1904)

Esta versão da comédia musical de Artur Azevedo foi idealizada por Claudia Abreu e Emílio de Mello. Uma vez que a narrativa acompanha uma companhia de teatro itinerante (ou seja, um mambembe), as primeiras apresentações do espetáculo ocorreram nas praças de cidades de estados como o Maranhão, Pará, Espírito Santo e Minas Gerais tendo um ônibus como o seu cenário – a peça foi reestruturada para os palcos, tendo um cenário modular fazendo as vezes do ônibus.


É clichê, mas não deixa de ser verdade: oS mambembeS escrevia uma carta de amor ao teatro brasileiro. Muito do texto de Artur Azevedo foi preservado, sendo as mudanças mais significativas em seu início, quando a trupe de atores começa a rememorar sua própria trajetória nos palcos o que acaba levando a uma cena de A Gaivota, e no final. No decorrer da peça, diversos cacos são adicionados para fazer menções ao Teatro Oficina ou o de Contêiner ou também menções à grandes nomes dessa arte, como Cacilda Becker ou Fernanda Montenegro – momentos que, inclusive, serviram para adicionar comicidade ao espetáculo.


O mais bonito de ver em oS mambembeS era o trabalho de seu elenco. Todos os personagens eram interpretados por todos os atores, que se revezavam nos papéis. Cláudia Abreu, Deborah Evelyn, Jui Huang, Julia Lemmertz, Leandro Santanna, Orã Figueiredo e Paulo Betti, formavam uma trupe muito entrosada e carismática que fazia as risadas explodirem pelo Tuca de tal forma que me fizeram pensar como são peças como essa que fazem o trabalho de formação de público para o teatro brasileiro.


oS mambembeS esteve em cartaz no Tuca entre 11 de outubro e 30 de novembro. O espetáculo estreou em 03 de novembro de 2024 na Praça Mercês em São Luíz (capital Maranhense) em versão itinerante – a peça seguiu em turnê pelo Nordeste e Norte até 15 de novembro daquele ano. Depois, a trupe viajou por cidades no Espírito Santo e em Minas Gerais. Em 24 de março de 2025, o espetáculo coroou a abertura do Festival de Curitiba, apresentado em sua versão para auditórios e seguiu para uma temporada no Teatro Casa Grande, do Rio de Janeiro.


*Este espetáculo foi comentado na edição de outubro de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Cena da peça oS mambembeS. Foto: Lina Sumizono.
Cena da peça oS mambembeS. Foto: Lina Sumizono.

O Mercador de Veneza (2025); adaptação de Bruno Cavalcanti, a partir de Shakespeare (cca. 1596-1598)

Adaptada por Bruno Cavalcanti e dirigida por Daniela Stirbulov, esta versão de O Mercador de Veneza tinha como proposta lidar com os tons antissemitas que poderiam aflorar a partir do texto original de Shakespeare. Como estratégia, trechos da peça foram reescritos e, em outros momentos, a direção tensionava as problemáticas presentes na obra.


Um dos motivos para considerar este texto do bardo espinhoso está na composição de Shylock, um mercador judeu que assume a posição de um agiota e o antagonista da trama. A direção deu destaque à Shylock, interpretado com muito carisma por Dan Stulbach. O próprio texto de Shakespeare já compõe o personagem de forma esférica ao explicitar suas razões para antagonizar os mocinhos: cansado de ser humilhado e ostracizado, ele já não é mais capaz de estender a outra face. Daniela não teve medo de encenar momentos de crime de ódio explícitos perpetrados contra Shylock. Se o mercador judeu rápidamente conquistava a simpatia do público, os demais personagens eram retratados como pessoas ou fúteis, ou abertamente babacas, ou os dois. Assim, quando Antônio (Cesar Baccan) exigia, como punição, que Shylock se convertesse ao Cristianismo, a plateia reagia àquela violência, entendendo a crueldade daquela sentença. Era dessa forma que a montagem se posicionava contra o antissemitismo. 


Além do bom desempenho do elenco e da direção, o que tornava esta montagem de O Mercador de Veneza bem-sucedida estava na maneira como ela lidava com o desenlace da trama. A conclusão na qual se chegava ao terminar a peça é que talvez seus protagonistas não tenham o final feliz que uma comédia promete. Pórcia (Gabriela Westphal) tem razões para acreditar que seu marido não será fiel, Antônio segue sozinho e desmoralizado, Jéssica (Marisol Marcondes) ressente ter abandonado seu pai. Se eles nem sequer foram capazes de conviver em Veneza com quem praticava uma religião diferente da deles, como o amor verdadeiro poderia desabrochar em Belmonte? Na última fala, Pórcia propunha um brinde, mas o clima era de fim de festa. Aquelas pessoas podiam ser ricas, mas dinheiro não compra amor.


O Mercador de Veneza esteve em cartaz no Tucarena entre 04 de outubro e 14 de dezembro; além de realizar uma apresentação especial no Teatro B32 em 13 de novembro. Devido ao sucesso, o espetáculo será apresentado em nova temporada no Tucarena a partir de 29 de janeiro de 2026 até 01 de março – os ingressos estão disponíveis no Sympla. A peça também será apresentada no BTG Pactual Hall entre os dias 22 e 25 de janeiro de 2025 – os ingressos estão disponíveis no Sympla. A peça estreou em 24 de abril de 2025 no Sesc Santo André, onde permaneceu em cartaz até 17 de maio. O texto da versão de Bruno Cavalcanti foi publicado pela Editora Giostri.


*Este espetáculo foi comentado na edição de outubro de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Cena da peça O Mercador de Veneza. Foto: Ronaldo Gutierrez.
Cena da peça O Mercador de Veneza. Foto: Ronaldo Gutierrez.

Não me Entrego, Não! (2024), de Flávio Marinho

Este é o primeiro monólogo de Othon Bastos após 73 anos de atividade no teatro e também no cinema. Escrito e dirigido por Flávio Marinho, a narrativa percorre justamente as memórias do ator, em especial seu início de carreira pouco glamuroso, além de participações em espetáculos e filmes que marcaram a história da cultura brasileira.


Seja como o protagonista, seja como um “coadjuvante de luxo” (como foi chamado algumas vezes) a trajetória de Othon Bastos na atuação se mescla com a História do Teatro e do Cinema Brasileiro. Assim, talvez ele seja o tespiano perfeito para acompanharmos ao longo dessa epopeia.


É um clichê. E como muitos clichês, não deixa de ser verdade: não existe nada melhor que assistir um espetáculo comandado por um ator veterano que passou décadas afiando sua técnica. A comunicação que Othon tinha com a plateia era excelente: desde sua entrada, ficávamos vidrados com as histórias que ele tinha para nos contar.


Não me Entrego, Não! esteve em cartaz no Teatro Raul Cortez (Sesc 14-Bis) de 20 de março a 21 de abril. Depois, cumpriu uma temporada no Teatro Sérgio Cardoso entre 25 de setembro e 10 de outubro. A peça fez parte da mostra “2025 em Cena” realizada pela Prefeitura de São Paulo com apresentações no Teatro Arthur Azevedo nos dias 05 e 06 de dezembro.  O monólogo estreou em 07 de junho de 2024 no Teatro Vanucci (Shopping da Gávea) no Rio de Janeiro, onde permaneceu em cartaz até 28 de julho. O texto do espetáculo foi publicado pela editora Cobogó.


*Este espetáculo foi comentado na edição de abril de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Othon Bastos interpreta o monólogo Não me Entrego, Não!. Foto: Beti Niemeyer.
Othon Bastos interpreta o monólogo Não me Entrego, Não!. Foto: Beti Niemeyer.

Nossa História com Chico Buarque (2024), de Rafael Gomes e Vinícius Calderoni [Sarau Agência de Cultura Brasileira]

Escrito como uma homenagem aos 80 anos do compositor e cantor brasileiro, Nossa História com Chico Buarque é um “épico íntimo” cuja trama narra a história de duas famílias que, ao longo dos anos 1968, 1989 e 2022 começam a se entrelaçar. Enquanto o enredo parece tematizar, na escala macro, a História do Brasil, colocando-se como um canto contra o regime ditatorial, as canções jogam luz aos sentimentos e emoções vividos na intimidade das personagens. Mais do que a história de um país contada através das famílias, o musical é na verdade a história de amor entre duas mulheres que, ao se conhecerem, passam a ter contato com um mundo novo e cheio de possibilidades e, quem sabe, possam ter um final feliz.


Nossa História com Chico Buarque esteve em cartaz de 02 a 28 de fevereiro no Teatro Paulo Autran do Sesc Pinheiros. O musical estreou no Rio de Janeiro (RJ) em 29 de agosto de 2024 no Teatro Riachuelo, onde permaneceu em cartaz até 06 de outubro.


*Este espetáculo foi comentado na edição de fevereiro de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Petra (Die Bitteren Tränen der Petra von Kant, 1971), de Rainer Werner Fassbinder [Cia. BR.116, 2024]

Esta versão trazia de volta aos palcos brasileiros a peça teatral escrita pelo dramaturgo e cineasta alemão Rainer Werner Fassbinder. Trata-se de uma história que possui apenas personagens femininas em cena e o mais interessante desta montagem estava em reparar nos registros de atuação de cada uma delas. A peça é enquadrada pelo olhar de Marlene (Lindsay Castro Lima), uma personagem que não emite uma palavra sequer, fazendo com que Lindsay precisasse equilibrar uma grande expressividade com a sobriedade e discrição exigida pela profissão de sua personagem como assistente pessoal de Petra - o resultado foi de uma caracterização muito próxima ao Expressionismo Alemão. Por outro lado, Bete criou uma Petra von Kant afetada, próxima das grandes atrizes da Velha Hollywood e um tanto delirante. Estes registros mais densos, eram quebrados pela chegada de Karin (Luiza Curvo), que trazia uma interpretação mais despojada, entregando suas falas na lata como quem diz o que pensa.


As divisões das cenas eram permeadas por números musicais interpretados por Lais Lacôrte, cantando em Alemão e Inglês e acompanhada de um piano. Sua participação trazia muita elegância para um espetáculo cujos cenários foram projetados por uma de nossas melhores cenógrafas: Daniela Thomas, ao lado de Felipe Tassara.


Petra esteve em cartaz de 02 a 30 de março no Teatro Sergio Cardoso. O espetáculo estreou em 15 de julho de 2024 no Teatro Cacilda Becker, onde permaneceu em cartaz até 07 de agosto daquele ano.


*Este espetáculo foi comentado na edição de março de “As Bacantes do Tietê”; leia a resenha aqui. Esta versão da peça também serviu de inspiração para um texto publicado na Revista Galérica que rememora as três versões brasileiras de “As Lágrimas Amargas de Petra von Kant”, você pode encontrar o texto aqui. A tradução de Marcos Renaux foi publicada pela editora Cobogó.


Realpolitik (2024), de Daniela Pereira de Carvalho [Cia. Fotiá]

Em uma peça para dois atores, Realpolitik mostrava o embate entre um repórter do jornalismo financeiro e o CEO de uma mineradora brasileira cuja barragem de resíduos havia se rompido alguns meses antes. Em um diálogo cada vez mais radicalizado e tenso, eles discutem sobre o modelo capitalista no qual o extrativismo é justificado pela necessidade de crescimento infinito (em um planeta cujos recursos, vale lembrar, são finitos). No fim das contas, o público era colocado diante de um fascita e se via forçado a lidar com aquilo. A peça de Daniela Pereira de Carvalho impunha a pergunta: como frear o fascimo? E por quais métodos?


Realpolitik esteve em cartaz no no Teatro B32 de 17 de janeiro a 28 de fevereiro. Depois, o espetáculo foi transferido para o Tucarena de 14 de março a 13 de abril - a peça ainda realizou uma temporada no Teatro Estúdio de 06 a 21 de dezembro. Realpolitik fez sua estreia em 07 de junho de 2024 no Teatro B32, onde permaneceu em cartaz até 22 de dezembro daquele ano.


*Este espetáculo foi comentado na edição de abril de “As Bacantes do Tietê”; leia a resenha aqui.

Quem é Juão (2025); de Vivi Moraes, a partir das canções de Jota.pê

Escrito pela jovem Vivi Moraes a partir das canções de Jota.pê, o musical se mostrou um veículo perfeito para revelar novos talentos da cena musical brasileira – não só por se tratar da estreia (ou um dos primeiros trabalhos de alguns artista), como também por ter uma equipe criativa e elenco formado por jovens. A produção foi assinada por VIvi ao lado de Audi Arruda, Larissa Castilho e Rodrigo Marques.


Sob a direção de Paulão do Vraah, o espetáculo se ancorava no texto e na execução do elenco. Assim, o trunfo no trabalho de Paulão estava justamente em articular com cuidado a dramaturgia, a interpretação e a coreografia (assinada por Rômulo Vlad). A dança ia muito além dos números musicais: os movimentos sincronizados transformam o restante do elenco em um verdadeiro coro; muitas vezes o corpo dos próprios artistas em cena transforma-se em cenário fazendo com que o palco raramente esteja vazio.


Além de evidenciar os talentos de sua autora, diretora e coreógrafo, a peça trazia um elenco carismático liderado por Hipólyto, no papel titular. Enquanto a atuação de Thales Cesar era magnética, Luma Gouveia compunha uma mocinha que aprende a tomar as rédeas de sua vida e Eduardo Montoro roubava a cena com seu timming cômico.


Conduzida por Guilherme Leal e Nana Nunes, a direção musical conferia teatralidade às canções de Jota.pê mantendo a essência de suas versões originais. Os melhores momentos foram a transformação de “Moça, sorria” de uma balada romântica para uma batida festiva e, é claro, “Garoa”, uma canção que, quando escutada nas vozes de um coro, cura onde dói. Fico com a expectativa de que, algum dia, os artistas gravem as versões apresentadas no palco – e deixo a sugestão para que o elenco da leitura dramática realizada no Núcleo Experimental em 2023, assim como o das leituras para financiadoras ocorridas em 2024, sejam convidados para participar da gravação de “Garoa”.


O musical Quem é Juão fez sua estreia profissional em 17 de novembro no Teatro Marte Hall, onde permaneceu em cartaz até 02 de dezembro.


*Este espetáculo foi comentado na edição de novembro de “As Bacantes do Tietê”; leia a resenha aqui.


Cena do musical Quem é Juão. Foto: Lucas Santos.
Cena do musical Quem é Juão. Foto: Lucas Santos.

Restinga de Canudos (2025), de Dinho Lima Flor e Rodrigo Mercadante [Cia. do Tijolo]

O novo espetáculo da Cia do Tijolo trouxe para o palco outro olhar para a história da comunidade que viveu em Canudos. Eternizada pelo livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, a história que mais repercutiu sobre aquela ocupação foi a do massacre de seu povo e destruição da cidade promovidos pelo exército da recém nascida República Brasileira. Em sua versão da história, a companhia optou por dar destaque ao povo que decidiu morar ali e, juntos, formar uma comunidade.


Restinga de Canudos era permeado por diversos episódios que caracterizam as pessoas que viveram naquele povoado e como eles faziam para oferecer resistência tanto ao Império como, depois, para a repressão da República. Ainda que o destaque seja o coletivo, o espetáculo trouxe figuras como os próprios Euclides da Cunha (Rodrigo Mercadante) e Antônio Conselheiro (Dinho Lima Flor) para dialogarem com os espectadores. Ao lado deles, duas professoras (Karen Menatti e Odília Nunes) enquadravam o espetáculo com suas aulas nas quais elas trazem contextualizações sobre o que possibilitou o surgimento daquele assentamento. O espetáculo procurava questionar as noções vigentes que se tem sobre aquele povoado ao mesmo tempo em que revisava o cânone deixado por Euclides.


Restinga de Canudos estreou em 14 de março no Sesc Bom Retiro, onde permaneceu em cartaz até 27 de abril. A peça fez parte da mostra “2025 em Cena” realizada pela Prefeitura de São Paulo com apresentações no Teatro Alfredo Mesquita nos dias 12 e 13 de dezembro. 


*Este espetáculo foi comentado na edição de abril de “As Bacantes do Tietê”; leia a resenha aqui.


Senhora dos Afogados (1954), de Nelson Rodrigues [Teatro Oficina, 2025]

Talvez uma das montagens mais interessantes deste ano, ao lado de Avenida Paulista. Antes de ser uma exploração do universo rodrigueano, o espetáculo promovia uma homenagem a Zé Celso na qual o mestre antropófago da companhia era, enfim, deglutido por ela. Convidada por Marcelo Drummond a dirigir o espetáculo, a cineasta Monique Gardenberg evocava as características de uma peça do Oficina, ao mesmo tempo em que mantinha sua assinatura enquanto diretora. Sua direção procurava sugerir símbolos e paralelismos de forma que os espectadores pudessem, aos poucos, se dar conta do que está em jogo no decorrer da trama. Ainda mais interessante do que os elementos cênicos, o que dava gosto de testemunhar nesta montagem era o trabalho do elenco, majoritariamente feminino e bastante afinado - as atrizes dominavam a cena, dando os contornos necessários para os impulsos, as rivalidades e o sentimento de não-pertencimento de suas personagens.


Monique trouxe de volta para a trupe pessoas que tiveram passagens marcantes pelo Oficina e eram importantes para seu diretor, em especial as atrizes: Leona Cavalli, que interpreta dona Eduarda; Regina Braga, no papel de Dona Marianinha; Giulia Gam, Cristina Mutarelli, Michele Matalon e Muriel Matalon, que fazem parte do coro de vizinhas. Elas se juntaram a Marcelo Drummond (interpretando Misael); Kael Studart (Paulo) e Lara Tremouroux em sua estreia nos palcos interpretando Moema. O coro de prostitutas, interpretado pelos demais atores e atrizes da companhia, foi expandido para incluir michês, vendedores ambulantes e banhistas - juntos, eles rememoravam a predileção de Zé Celso por coros e sua inclinação em dar voz aos marginalizados.


Ainda assim, o único motivo para eu não ter destacado o espetáculo nas categorias de “Melhor Peças” e “Melhor Direção” na seção “Melhores do Ano”, se dá pelo uso de Inteligência Artificial Generativa ao criar o vídeo das projeções. Repito o que escrevi na minha crítica ao espetáculo publicada na edição de maio dAs Bacantes do Tietê: é contraditório que uma companhia que levanta as bandeiras de valorização da arte e da pauta ambiental (por meio da implementação do Parque Rio Bixiga) utilize uma tecnologia cujo desenvolvimento foi realizado por meio de roubo do trabalho de artistas e cuja manutenção é extremamente poluente.


A montagem realizada pelo Oficina de Senhora dos Afogados estreou em 25 de abril no Sesc Pompeia, onde permaneceu em cartaz até 18 de maio. Depois, o espetáculo foi transferido para a sede do próprio Oficina em 30 de maio, onde permaneceu em cartaz até 01 de setembro. A peça retornou ao oficina entre 17 de outubro e 23 de dezembro.


*Este espetáculo foi comentado na edição de maio de “As Bacantes do Tietê”; leia a resenha aqui. 


Cena da peça Senhora dos Afogadas no Teatro Oficina. Foto: Igor Marotti.
Cena da peça Senhora dos Afogadas no Teatro Oficina. Foto: Igor Marotti.

7 Gatinhos (1958), de Nelson Rodrigues [Teatro Oficina, 2025]

A versão de Joana Medeiros de Os Sete Gatinhos trouxe frescor para a obra do dramaturgo carioca ao mesmo tempo em que torcia o dedo na ferida expondo a canalhice do patriarcado e criticando as expectativas impostas pelos papeis de gênero que tentam, sem sucesso, castrar as mulheres. Era interessante reparar como a escalação do elenco foi levada em conta para elaborar a linguagem do espetáculo. Ao se colocar para interpretar Noronha, o pai opressor daquela família, Joana evidenciava por contraste as características que corrompem a masculinidade – o orgulho ferido pelo fracasso no trabalho e o conservadorismo de fachada. O mesmo ocorria na escalação de Zizi Yndio do Brasil para interpretar a filha mais nova, distanciando a figura de Silene de uma Lolita e questionando as contradições no tratamento da relação dos adolescentes com sua sexualidade.


Durante a dobradinha de Senhora dos Afogados (em cartaz no Oficina aos finais de semana) e 7 Gatinhos (em cartaz nas noites de terça e quarta) a própria equipe da segunda peça fez uma comparação entre ambas as versões se colocando como “o lado B” do Oficina. A justificativa para isso seria que enquanto a Senhora dos Afogados peça teve um orçamento maior, um elenco formado por veteranas, a direção de uma cineasta e estava sendo apresentada “no horário nobre”; 7 Gatinhos teve um orçamento mais enxuto, foi apresentada em dias “alternativos” e teve seu elenco escalado a partir da Universidade Antropófoga, projeto de formação do Oficina.


Ainda assim, 7 Gatinhos não devia em nada: a direção de Joana explorava cada canto do teatro, transformando-o nas ruas do Rio de Janeiro; não tinha medo de mostrar a sujeira do cotidiano; e utilizava o vídeo como uma maneira de dar um aspecto noir ao espetáculo. Enquanto isso, o elenco aproveitava cada momento em cena e parecia se deliciar em interpretar personagens tão canalhas e, por isso, tão fascinantes.


7 Gatinhos esteve em cartaz no Teatro Oficina de 10 de junho a 20 de agosto. Uma segunda temporada foi apresentada no mesmo teatro entre 20 de outubro e 25 de dezembro.


*Este espetáculo foi comentado na edição de julho de “As Bacantes do Tietê”; leia a resenha aqui.


Cena da peça Senhora dos Afogadas no Teatro Oficina. Foto: Igor Marotti.
Cena da peça Senhora dos Afogadas no Teatro Oficina. Foto: Igor Marotti.

A Trilogia Wesker (1958-1960), de Arnold Wesker [Cia. Bípede, 2025]

A princípio, o que chamava a atenção no novo projeto da Cia. Bípede era o escopo da empreitada: a encenação simultânea de três peças, todas compondo uma trilogia que compartilha personagens e fios do enredo. Sob a direção de Felipe Sales, o grupo ainda dobrou a aposta: cada peça se valia de uma linguagem teatral diferente — a primeira enveredava pelo drama; a segunda era encenada como se estivesse em um picadeiro; e a última parte se pautava pelo teatro-fotografia ao modo de Robert Wilson. Cada uma à sua maneira, todas as peças que compõem a trilogia versam sobre a dissonância entre a utopia socialista e a realidade material dos trabalhadores (tanto operários como campestres).


Ao assistir a apresentação, o que realmente chamava a atenção era o desempenho do elenco. Lógico que o êxito e o fôlego com o qual a trupe se desdobrava em três peças é digno de nota. Ao mesmo tempo, o mais interessante era vê-los se apropriando do texto, trazendo marcações próprias para compor as personagens e improvisando ao longo das noites. O resultado se apresentava em personagens muito vivas e em peças que, por mais verborrágicas que possam ser, caminhavam sem que o espectador percebesse o tempo passar.


A montagem realizada pela Cia Bípede da Trilogia Wesker realizou sua temporada de estreia no Espaço Parlapatões durante o mês de agosto. “Canja de Galinha” foi apresentada pela primeira vez em 06 de agosto, dando início a temporada; enquanto “Estou Falando de Jerusalém” foi apresentado pela última vez em 29 de agosto, encerrando a temporada. A tradução dos textos da trilogia realizada por Felipe foi publicada pela editora Urdimento em volume único.


*Este espetáculo foi comentado na edição de agosto de “As Bacantes do Tietê”; leia a resenha aqui. Durante meu trainee no Estadão, escrevi uma reportagem sobre as apresentações da trilogia que você pode ler aqui.


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Cenas das peças Canja de Galinha, Raízes e Estou Falando de Jerusalém. Fotos: Thiago Winter.
Cenas das peças Canja de Galinha, Raízes e Estou Falando de Jerusalém. Fotos: Thiago Winter.

Triste! Triste… Triste?, de Nicolas Ahnert (2025) [ZERO Teatro]

Assim como em Quem é Juão?, este projeto também se mostrou um veículo excelente para revelar novos talentos. Aqui, os de seu diretor e dramaturgo Nicolas Ahnert em um trabalho preciso: os recursos multimídia e o cenário do monólogo eram realmente chamativos e, ainda assim, não havia excessos – os elementos cênicos foram articulados na medida certa para realçar a emoção que cada cena pedia. O resultado foi um espetáculo envolvente no qual se desenvolvia um interesse genuíno por seus personagens e com um gostinho de “quero mais”.


A escolha de Thalles Cabral para um projeto que depende tanto de seu intérprete não poderia ter sido mais acertada. Praticamente cercado pela plateia e com o público tão próximo do espaço cênico, Thalles não tinha outra opção que não seja mergulhar nessa aproximação. Ainda que fosse seu primeiro monólogo, ele demonstrava estar à vontade nesta posição entregando suas falas para os espectadores olhando no olho de cada um, como se numa conversa entre amigos íntimos. Também exibia todo seu carisma ao conduzir uma cena de um encontro no karaokê, deixando seus escolhidos na plateia para participar da cena confortáveis sob o holofote momentâneo.


O solo Triste! Triste… Triste? fez sua estreia em 11 de outubro no Teatro do Núcleo Experimental, onde permaneceu em cartaz até 30 de novembro.


*Este espetáculo foi comentado na edição de novembro de “As Bacantes do Tietê”; leia a resenha aqui.


Thalles Cabral interpreta o monólogo Triste! Triste… Triste?. Foto: Ronaldo Gutierrez.
Thalles Cabral interpreta o monólogo Triste! Triste… Triste?. Foto: Ronaldo Gutierrez.

REMONTAGENS e NOVAS VERSÕES

Cais, ou Da Indiferença das Embarcações (2012), de Kiko Marques [Velha Companhia]

A remontagem de Cais, ou Da Indiferenças das Embarcações teve a reserva de seus ingressos gratuitos esgotada em apenas 10 minutos. Ao longo dos anos, peça da Velha Companhia se tornou um sucesso de público e crítica, podendo ser considerada um dos clássicos do teatro paulistano no século 21.


O espetáculo reuniu no TUSP - Butantã 10 dos 12 atores e atrizes que compunham seu elenco original e talvez este seja o grande destaque de Cais (além do texto, que possui as melhores características dos folhetins brasileiros). Foi um privilégio poder assistir um elenco que passou os últimos 12 anos desde a estreia de Cais afinando seus instrumentos e aperfeiçoando sua técnica. É uma raridade ver “peças de prosa” com um elenco tão numeroso e fazendo parte do jogo teatral como um time. O melhor exemplo desse tipo de entrosamento era evidente no epílogo da peça, quando todos se reuniam ao redor do cais para ouvir o barco Sgt. Evilázio contar uma piada para a poita Rosiméri: não era uma piada engraçada, mas era possível ver os atores sorrindo; o prazer daquilo, na verdade, estava na possibilidade de assistir seus colegas naquilo que sabiam fazer de melhor e na certeza de que uma boa peça sobrevive a qualquer naufrágio.


Cais… realizou uma temporada especial entre 07 e 23 de fevereiro no Teatro da USP - Butantã. A peça também foi apresentada no Teatro de Arte e Ofício, sede do grupo Os Geraldos em Campinas, no dia 16 de junho como parte da “Mostra Geral do Teatro”. O espetáculo estreou em 29 de outubro de 2012 no Instituto Cultural Capobianco. A peça é a primeira obra de uma trilogia temática, intitulada As Águas, escrita por Kiko Marques e encenada pela Velha Companhia – os textos da trilogia foram publicados pela editora Javali em volume único.


*Este espetáculo foi comentado na edição de fevereiro de “As Bacantes do Tietê” – leia a resenha aqui. Escrevi uma reportagem para a Revista Galérica sobre a publicação da trilogia As Águas, entrevistando Kiko Marques, Virgínia Bukowski e Alejandra Sampaio, que você pode ler aqui.


Alejandra Sampaio e Marcelo Laham em cena de Cais ou Da Indiferença das Embarcações. Foto: Lenise Pinheiro.
Alejandra Sampaio e Marcelo Laham em cena de Cais ou Da Indiferença das Embarcações. Foto: Lenise Pinheiro.

Fica Comigo esta Noite (1988), de Flavio de Souza [Aveia Cômica, 2024]

Às vezes, tudo o que uma peça precisa para ser boa é um texto divertido, atores experientes para defendê-lo e uma direção que saiba promover a união destes dois elementos. Foi isso que o público recebeu na nova montagem de Fica Comigo esta Noite e o resultado era cativante.


A maneira com a qual Marisa Orth dominava a cena era de encher os olhos. A atriz participou da primeira encenação da peça, ainda em 1988, quando Carlos Moreno interpretava o marido. Na década de 1990, o espetáculo foi interpretado por Débora Bloch e Luiz Fernando Guimarães. Por fim, em 2007, Marisa retornou ao elenco, desta vez ao lado de Murilo Benício. Talvez seja esse conhecimento tão íntimo do texto, ou sua trajetória em dramas, comédias e musicais ao longo dos anos que trouxe segurança e precisão para sua atuação. Marisa entregava suas falas com naturalidade e transformava o choro da personagem em risos para a plateia.


Já Miguel Falabella mostrava seu lado mais tenro no papel do marido. Após anos colaborando com Marisa tanto na televisão como no teatro, a dupla demonstrava estar confortável na presença um do outro, se permitindo a improvisar com o texto, brincar entre si e até a cometer pequenos erros sem jamais deixar a peteca cair ou perder de vista o enredo. A cumplicidade transbordava dos atores para seus personagens, divertindo a plateia e mostrando como fazer teatro é mais gostoso em boas companhias.


A peça Fica Comigo esta Noite cumpriu uma temporada no Teatro Bradesco nos entre os dias 24 de julho e 14 de setembro. A pré-estreia da nova montagem ocorreu nos dias 13, 14 e 15 de setembro de 2024 no Clube Hebraica. A estreia do espetáculo ocorreu em 02 de outubro no Teatro Tivoli, em Lisboa, capital de Portugal.


*Este espetáculo foi comentado na edição de agosto de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


In on It (2000), de Daniel MacIvor

Em comemoração aos 15 anos da primeira montagem brasileira, In on It retornou em cartaz para novas temporadas. Ano passado, no Rio de Janeiro, Emílio de Mello e Fernando Eiras reprisaram seus papeis. Já este ano, Enrique Diaz (também diretor do espetáculo) assumiu o papel de Fernando durante parte da temporada paulistana.


Uma das coisas mais interessantes da peça era justamente seu jogo teatral. A metalinguagem não se restringia apenas a peça-dentro-da-peça e a conversa que o personagem do dramaturgo tem sobre ela, a brincadeira ia além: Emílio e Enrique acabavam dividindo um mesmo papel em um dos planos narrativos; durante a discussão sobre a peça-dentro-da-peça, eles abriam o diálogo para o público. As mudanças de luz que marcavam a passagem de um plano narrativo para o outro, o desenho de som que ajudava a imaginar objetos que não estavam em cena, tudo colaborava para ressaltar o fazer teatral.


A direção de Enrique Diaz era fiel e minimalista, abrindo o espaço para trabalhar com os atores e suas interpretações dos diálogos - afinal, ambos são os veículos principais por meio dos quais se conta a história de uma peça. Os anos de estrada dos atores, seja com a peça ou com outros projetos, fizeram com que a dupla parecesse bastante à vontade na execução do espetáculo; a sintonia entre eles era evidente. Assim, era delicioso vê-los beliscando um ao outro, se entregando à paixão, se apoiando e nos incluindo no processo - afinal, o que seria o teatro se não o encontro entre duas pessoas e uma boa história pra contar?


In on It esteve em cartaz no Tucarena de 15 de abril a 28 de setembro. Esta temporada fez parte da comemoração dos 15 anos da primeira montagem brasileira da peça, que estreou em 26 de março de 2009 no Teatro Oi Futuro (Rio de Janeiro, RJ). A remontagem do espetáculo fez sua primeira temporada, de 11 de julho a 01 de setembro de 2024, no mesmo palco onde estreou (desta vez renomeado Centro Cultural Futuros - Arte e Tecnologia). O texto do espetáculo foi publicado pela editora Cobogó.


*Este espetáculo foi comentado na edição de maio de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


A Máquina (2000); de João Falcão [Coletivo Ocutá, 2025]

Após o sucesso de sua estreia teatral com uma montagem de O Avesso da Pele, o Coletivo Ocutá estreou, em outubro deste ano, outra obra teatral que adapta um livro brasileiro. A primeira montagem de A Máquina, um texto escrito (e dirigido) por João Falcão a partir do romance de sua esposa Adriana Falcão, marcou época ao revelar para o público brasileiro uns tais de Gustavo Falcão, Vladimir Brichta, Lázaro Ramos e Wagner Moura. Assim como em sua primeira versão, essa montagem também foi dirigida por João e quem assumiu o papel da mocinha foi Agnes Brichta. 


Ainda que a trama pareça ser simples, o que há de interessante no espetáculo é a maneira como a história é contada: os quatro atores narram a história valendo-se da poesia contida nas palavras de Adriana e João, sempre conversando com o público e sustentando o olho-no-olho. Nesse sentido A Máquina parece uma sucessora natural para O Avesso da Pele: são peças energéticas, pulsantes e que cativam seus espectadores muito pelo carisma do elenco. O quarteto Alexandre Ammano, Bruno Rocha, Marcos Oli e Vitor Britto se mostravam à vontade como Antônio compondo um personagem cheio de vitalidade, enquanto Agnes despontava como uma excelente comediante e uma mocinha apaixonante.


A inexistência de um cenário fazia um convite para que os espectadores se deixassem levar pela história narrada pelo protagonista, deixando a imaginação voar – o que ressaltando o caráter fabular da história. Só seria possível tirar proveito do espetáculo se pegarmos na mão dos rapazes e nos permitirmos acreditar. No fim das contas, A Máquina era um exercício de fé – seja a fé cênica, necessária para a experiência ser bem sucedida, seja a fé no futuro melhor que o protagonista prega. E, assim, demonstrava que o primeiro passo para criarmos um futuro melhor é acreditar.


Esta montagem de A Máquina estreou no Teatroiquè em 09 de outubro, permanecendo em cartaz até 14 de dezembro.


*Este espetáculo foi comentado na edição de dezembro de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Cena da peça A Máquina. Foto: Flora Negri
Cena da peça A Máquina. Foto: Flora Negri

Música para Morrer de Amor (2010); de Rafael Gomes [Empório de Teatro Sortido, versão de 2025]

Em comemoração ao aniversário de 15 anos da montagem original, o Empório de Teatro Sortido produziu uma nova encenação de Música para Morrer de Amor. Dirigida por Victor Mendes (ator na montagem original) e Fabrício Licursi, esta versão trazia um novo elenco e restaurava o texto original para três atores. A peça não é um musical apesar do título, só que nesta versão algumas passagens do texto também foram transformadas em canção – fazendo valer a escalação de um elenco experiente em musicais e conferindo certo charme ao espetáculo.


Tendo em vista sua carpintaria cuidadosa, Música para Morrer de Amor é uma peça que depende apenas da execução que seu elenco faz do texto: como os atores bordam cada palavra para nos conduzir pelo oceano de seus sentimentos. Nesse sentido, Mendes e Licursi acertaram em elaborar uma direção que não chama atenção para si mesma – sendo apenas a mudança de cenário, que aos poucos se transforma em um relicário, mais chamativa. A dupla soube conduzir o elenco para trazer o melhor de cada um deles: o carisma de Daniel Haidar (no papel de Felipe), a raiva misturada com doçura de Luiza Porto (Isabela) e o cuidado de Vitor Rocha (Ricardo) com as palavras.


A nova versão de Música para Morrer de Amor esteve em cartaz no Teatro Estúdio de 11 a 30 de outubro. Originalmente batizada como Música para Cortar os Pulsos, a primeira versão da peça estreou em 07 de outubro de 2010 no Sesc Pinheiros. O texto do espetáculo foi publicado pela editora Incompleta.


*Este espetáculo foi comentado na edição de outubro de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Palhaços (cca. 1970), de Timochenco Wehbi [Gabriel Carmona, 2005]

Algumas peças, quando terminam, deixam seus espectadores com uma satisfação típica de quem se esbaldou com um banquete saboroso. É assim que eu descreveria a sensação após assistir a montagem dirigida por Gabriel Carmona de Palhaços, uma peça do paulistano Timochenco Wehbi. Talvez seja essa mesma sensação que tenha disparado o início da trama de Palhaços: após assistir a um espetáculo circense, o vendedor de sapatos Benvindo (interpretado por Danilo Grangheia) vai até o camarim do palhaço Careta (Dagoberto Feliz) para elogiar a atuação do artista – um relacionamento estranho se desenvolve entre os dois a partir da admiração de Benvindo, ainda que ele não pareça compreender verdadeiramente o trabalho de Careta.


É interessante reparar na atemporalidade do texto, escrito logo na década de 1970 no contexto dos primeiros anos de AI-5. Isso explica a atmosfera melancólica da obra na qual os sonhos de seus protagonistas parecem ter se esfarelado e ambos sonham sem muita esperança com alguma coisa que os faça escapar da vida que estão levando.  Apesar dessa melancolia, Palhaços era um espetáculo que nos dava a sensação de “quero mais”.


A resposta para essa vontade não era encontrada apenas nas situações cômicas proporcionadas pelo texto, mas principalmente na execução que os atores fazem dele.  Mais do que um exercício de atuação, que parece ter sido afiado com o passar dos 20 anos desde a estreia e das experiências somadas da trajetória de cada ator, o que realmente interessava em Palhaços estava no jogo entre eles. A graça estava na maneira como eles se relacionavam, seja seus personagens, seja na maneira como Dagoberto e Danilo constroem juntos uma escada para ambos subirem. Tudo isso sem jamais esquecer do público, nos oferecendo tempo para que se possa digerir cada piada e cada mudança de tom para o trágico.


A montagem de Palhaços dirigida por Gabriel Carmona realizou uma temporada comemorativa no Galpão do Folias entre os dias 11 de junho e 27 de julho. O espetáculo fez sua temporada de estreia há 20 anos naquele mesmo teatro, entre os dias 02 de setembro e 29 de outubro.


*Este espetáculo foi comentado na edição de julho de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Dagoberto Feliz e Danilo Grangheia em cena da peça Palhaços. Foto: Renato Silvestre.
Dagoberto Feliz e Danilo Grangheia em cena da peça Palhaços. Foto: Renato Silvestre.

Os solos de Denise Stoklos

Em um ano marcado por remontagens de espetáculos antológicos da cena teatral brasileira, Denise Stoklos não ficou de fora. A atriz esteve em cartaz no Teatro Estúdio com o solo Mary Stuart (1987) e com uma leitura dramática de Um Fax para Colombo (1992).


Desde quando Mary Stuart nasceu em Nova York no Café La MaMA, a peça  tem sido elogiada pela crítica internacional. No Brasil, Denise foi a primeira atriz a ganhar o prêmio Shell-RJ na categoria de Melhor Atriz (dividindo esse marco com Cláudia Mello, que venceu em SP), além de receber um APCA na mesma categoria. O espetáculo chegou a ser apresentado em 33 países e falado em sete idiomas (incluindo o ucraniano e o russo) – Denise fez aulas com professores locais de forma a executar a peça no idioma do país sem a necessidade de tradução.


Elaborado na esteira da segunda onda do Feminismo, o texto de Mary Stuart conta sobre a relação entre a rainha da Inglaterra Elisabeth I e sua então prisioneira, a rainha da Escócia e personagem titular do espetáculo. Com isso, o solo discute temas como o exercício do poder, a opressão, a liberdade e a experiência feminina em posições de comando. O que chamou a atenção para o solo em sua estreia está na fundação de uma proposta que Denise denominou como “Teatro Essencial”, pautado quase exclusivamente na presença do ator e seus recursos humanos (voz, corpo, inteligência e intuição), sem valer-se de grandes efeitos – o figurino (camisa e calça preta), o cenário (apenas uma cadeira preta) e a iluminação (muitas vezes, apenas um foco de luz) são minimalistas.


Um Fax para Colombo também estreou no exterior e com grande repercussão. Foi composto para a efeméride de 500 anos desde a chegada de Cristóvão Colombo ao continente americano e promoveu uma inversão de perspectivas: a História não era contada pelo vencedor, mas por quem sobrou após o massacre dos povos originários, da escravização dos africanos, e da imposição da cultura europeia. Em um manifesto descolonial, a atriz desmontava o mito da conquista ultramarina retratando a colonização como uma ferramenta violenta que garante a permanência dos povos latinos-americanos no subdesenvolvimento.


O grande destaque de ambas as obras é a atriz que conduz a peça. Afinal, os preceitos do Teatro Essencial fazem com que todos os olhares caiam sobre ela.  Em Mary Stuart, Denise demonstrava grande vitalidade ao representar ambas as personagens, mudando não apenas o tom como também a postura, o ritmo de sua fala, o gestual, seu olhar e as expressões faciais para diferenciá-las. Assim, o prazer de assistir ao solo neste ano estava naquilo que venho descrevendo tanto ao resenhar as diversas remontagens que tivemos, quanto ao resenhar peças comandadas por atores veteranos: a possibilidade de ver uma atriz madura em cena, com anos de prática e vivências acumulados e como tudo isso acaba por afiar sua atuação. Quase 40 anos depois da estreia do solo, Denise Stoklos ainda nos impressionava e cativava com seu retrato das monarcas britânicas.


Já Um Fax para Colombo não era uma remontagem tal e qual foi a primeira versão. Dessa vez, Denise leu o texto da peça enquanto permanecia sentada à mesa. Por mais que tenha sido uma leitura dramática, toda a sua expressividade corporal tão marcante permaneceu presente em cena. Ao mesmo tempo, a visão de uma atriz lendo de um livro, objeto que já demonstrava sinais de desgaste devido anos de manuseio, ajudava a dimensionar o escopo temporal da obra: tudo sobre o que Denise versava parecia dizer respeito ao tempo atual, à situação sócio-política atravessada pela América – entretanto, a visão do livro lembra ao espectador que aquela obra era de 1992 e, portanto, os apontamentos da atriz permaneciam até hoje irresolvidos.


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Denise Stoklos em cena de Mary Stuart e Um Fax para Colombo. Fotos: Ariel Cavotti
Denise Stoklos em cena de Mary Stuart e Um Fax para Colombo. Fotos: Ariel Cavotti

O solo Mary Stuart foi apresentado pela primeira vez em de 1987. Este ano, realizou uma temporada em São Paulo no Teatro Estúdio, onde foi apresentado entre 30 de agosto e 25 de outubro - além de ter sido apresentado no Festival das Marias, em 04 de outubro, no Teatro Paulo Eiró. Já Um Fax para Colombo foi apresentado pela primeira vez em 1992 e realizou uma temporada no Teatro Estúdio entre 05 e 30 de novembro. Novas apresentações serão realizadas no Teatro Estúdio, toda segunda-feira às 20h, durante os meses de janeiro e fevereiro de 2026 – os ingressos estão disponíveis no Sympla.


*Mary Stuart foi comentado na edição de outubro de “As Bacantes do Tietê” – leia a resenha aqui. Já Um Fax para Colombo foi comentado na edição de novembro – leia aqui.


TEATRO INFANTIL

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá (2022), de Samya Pascotto, Valérie Mesquita e Domitila Gonzalez [Cia Novelo / iBT]

Em sua primeira incursão no teatro infanto-juvenil, a Cia. Novelo adaptou uma novela escrita pelo baiano Jorge Amado para seu filho. E ainda que seu público-alvo sejam as crianças, não tem uma apresentação na qual um pai ou uma mãe é pego com a respiração pesada ou até enxugando uma lágrima. É uma história que pega Romeu e Julieta de inspiração, então o final já é conhecido. A trama versa sobre o amor proibido entre um gato e uma andorinha que vivem em um parque, impedido tanto pelo preconceito dos demais animais (que acreditam, sem provas, que o gato é um animal maligno) e de uma lei antiga que dita que os animais só podem casar-se entre espécies.


A discussão, portanto, girava em torno do preconceito. Se no livro de Jorge Amado o amor entre espécies servia de metáfora para as tensões raciais (o gato seria um homem negro e a andorinha, uma mulher branca), a peça da Cia. Novelo opta por fazer uma leitura queer – em especial ao fazer com que seu elenco inteiramente feminino se revezasse nos papeis do gato e da andorinha, de modo que uma mesma atriz acabava interpretando ambos os personagens no decorrer do espetáculo.


O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá era uma peça que não tinha medo de ser abertamente política. Seja em sua aproximação com uma representatividade LGBT, seja em afirmar ser necessário uma revolução para dar fim a uma lei tão rígida e que parece não fazer sentido. A peça caminhava para seu final trágico e ainda que Jorge sinta-se incapaz de mudar o final que ele próprio escreveu, a conclusão a que se chega é de que “o mundo só vai prestar quando um gato e uma andorinha puderem se amar”.


Trata-se de um espetáculo encantador que capturava seus espectadores não só pelo carisma das atrizes, mas principalmente pelo esmero de sua feitura. Sob a direção de Maristela Chelala, a linguagem da peça seguia os rumos do teatro de rua e da palhaçaria. A convenção teatral era posta em evidência e, com isso, o espetáculo apresentavava o faz de conta na sua melhor forma.


O musical infanto-juvenil O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá esteve em cartaz no Sesc Pompeia entre os dias 05 e 26 deste mês. Além disso, o espetáculo realizou uma turnê por cidades do interior do estado de São Paulo entre os meses de julho e setembro; e apresentações especiais nos dias 7 e 14 de setembro no Sesc Vila Mariana como parte do festival Teatro nas Alturas. O espetáculo estreou em 28 de maio de 2022 no Parque Augusta, onde permaneceu em cartaz até 17 de junho.


*Este espetáculo foi comentado na edição de julho de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Pororoca (2025), de Elenice Zerneri [2 Mililitros Cia. Teatral]

Uma particularidade de Pororoca que podia chamar a atenção era seu público-alvo: a 2 Mililitros Cia. Teatral foca suas pesquisas em teatro para bebês de poucos meses a três anos de idade. Minha colega aqui na Galérica, Lorenza Gioppo chegou a escrever um perfil da companhia descrevendo a trajetória da trupe e explicando melhor como é uma peça para bebês. De forma resumida, a diferença está não apenas na simplicidade da narrativa (com uma linha clara e sem reviravoltas complexas), uma iluminação mais suave e de mudanças graduais e uma sonoplastia no volume certo para atrair a atenção das crianças sem assustá-las.


Pororoca, contava a história de Aruã, um molusco que vive no rio Amazonas. Sua vida seguia tranquila até que a passagem da pororoca tirou tudo do lugar e  fez sua concha desaparecer. Quando finalmente a encontra, ele descobre que um molusco, menor e mais jovem (seu irmãozinho), tomou posse de seu refúgio e agora vive dentro dele. A trama lidava com o medo do desconhecido e também com o momento delicado no qual a criança deixa de ser a única filha de um núcleo familiar.


O destaque deste espetáculo vai para sua feitura. A companhia trabalhava com a convenção teatral (literalmente, com o “faz de conta”), estimulando a imaginação de seus pequenos espectadores. Era nítido como o trabalho delas tinha um efeito positivo: as crianças observam a encenação com curiosidade. No fim das contas, a diferença entre o teatro para bebês da Cia 2 Mililitros e o teatro para adultos feito por uma boa companhia teatral é praticamente nenhuma. O público-alvo pode ser outro, mas ainda é o teatro na sua melhor forma – e justamente por isso, Pororoca e os demais espetáculos do coletivo se apresentam como um projeto de formação de público excelente.


Pororoca estreou no Teatro B32 em 08 de março, onde permaneceu em cartaz até o dia 23 daquele mês. Depois, foi apresentado no CPT Sesc entre os dias 01 e 28 de junho.


*Este espetáculo foi comentado na edição de junho de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Thiane Lavrador e Júlia Mariano em Pororoca. Foto: Lyvia Gamec
Thiane Lavrador e Júlia Mariano em Pororoca. Foto: Lyvia Gamec

Bikannie: Uma Aventura sobre duas rodas (2025), de Carolina Portella e Mariana Rhormens [Cia. Malunga]

Neste espetáculo infantil, as palhaças Babalu (de Carolina Portella) e Kumbuka (Mariana Rhormens) decidem refazer o itinerário percorrido, ao redor do mundo, por Annie Londonderry, a primeira mulher a dar a volta ao mundo em cima de uma bicicleta. Com texto escrito pela dupla, a trama acompanha a viagem das palhaças enquanto elas rememoram os feitos de Annie, que troca a saia por calças para ter melhor mobilidade, inspira mulheres ao redor do mundo, além de se tornar uma pioneira do marketing.


Um espetáculo que versava sobre liberdade feminina e independência sem precisar ser panfletário, uma vez que se vale de um espírito de aventura e encantamento para naturalizar a presença feminina em uma área onde a maioria dos protagonistas são homens – podemos pensar aqui Robert Bartlett e suas expedições ao Ártico ou nos ficcionais Phileas Fogg e Passepartout, de Jules Verne, em sua volta ao mundo em 80 dias. Mais do que isso, Bikannie: Uma Aventura Sobre Duas Rodas também leva seus espectadores a exercitarem um senso de curiosidade para conhecer outras culturas e novas histórias.


Bikannie estreou no Sesc Araraquara dia 05 de julho. A peça realizou uma temporada no Sesc Vila Mariana entre 02 de novembro e 14 de dezembro.


*Este espetáculo foi comentado na edição de dezembro de “As Bacantes do Tietê”. Leia a resenha aqui.


Babalu (Carolina Portella) e Kumbuka (Mariana Rhormens) em Bikannie. Foto: Renata Teixeira
Babalu (Carolina Portella) e Kumbuka (Mariana Rhormens) em Bikannie. Foto: Renata Teixeira

MELHORES DO ANO

Melhor Peça:

  • Avenida Paulista, da Consolação ao Paraíso

  • (Um) Ensaio Sobre a Cegueira 


Menções Honrosas:

  • Os Irmãos Karamázov

  • Lady Tempestade

  • oS mambembeS

  • A Máquina

  • O Mercador de Veneza


Destaque - Remontagens:

  • Cais, ou da Indiferença das Embarcações

  • In on It

  • Mary Stuart

  • Palhaços


Destaque – Musicais:

  • João

  • Quem é Juão


Destaque - Direção:

  • para Daniela Stirbulov pela direção de O Mercador de Veneza

  • para Felipe Hirsch e Juuar pela direção de Avenida Paulista

  • para Joana Medeiros pela direção de 7 Gatinhos

  • para Nicolas Ahnert pela direção de Triste! Triste… Triste?

  • para Paulão do Vraah pela direção de Quem é Juão

  • para Rodrigo Portella pela direção de (Um) Ensaio Sobre a Cegueira

  • para Yara de Novaes pela direção de Lady Tempestade


Destaque Atuação:

  • para Andrea Beltrão por sua interpretação de Lady Tempestade

  • para o Coletivo Ocutá e Agnes Brichta por suas atuações em A Máquina

  • para o elenco de Avenida Paulista

  • para o elenco de Os Irmãos Karamázov

  • para o elenco de Senhora dos Afogados

  • para o elenco de 7 Gatinhos

  • para o elenco de (Um) Ensaio Sobre a Cegueira

  • para o elenco de Quem é Juão

  • para o elenco da Trilogia Wesker

  • para Marina Mathey por sua atuação no musical João

  • para Thalles Cabral por sua interpretação de Triste! Triste… Triste?


Menção Honrosa - Atuação:

  • para Dagoberto Feliz e Danilo Grangheia por suas atuações em Palhaços

  • para Denise Stoklos por sua interpretação de Mary Stuart

  • para o elenco de Cais, ou da Indiferença das Embarcações

  • para o elenco de Dois Papas

  • para Emílio de Mello, Enrique Diaz e Fernando Eiras por suas atuações em In on It

  • para Othon Bastos por sua interpretação de Não me Entrego, Não!

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