Pedro A. Duarte faz retrospectiva (de algumas) das peças teatrais que estiveram em cartaz na cidade de São Paulo durante o ano de 2024
Ano passado, escrevi uma versão desta lista relatando quais peças que assisti em 2023 que me chamaram mais atenção e também destacando as melhores - não apenas os melhores espetáculos, como também as melhores atuações, direções e dramaturgias originais. Para minha felicidade, o texto fez bastante sucesso e repercutiu bem entre as pessoas da cena teatral. Eu também acho divertido esse exercício de relembrar os espetáculos que assisti - em algum nível, também imagino que esse tipo de texto possa servir como uma espécie de documento histórico futuramente. Por isso, resolvi transformar essa lista em uma tradição anual e hoje lhes apresento os meus Destaques do Teatro Paulistano em 2024.
Antes de iniciar a lista, acho válido explicar seu contexto de escrita e os critérios para um espetáculo entrar aqui. Em primeiro lugar, ainda que eu tenha um bacharelado em Jornalismo e outro em Cinema, ainda sou reticente em me colocar como um crítico profissional. Venho pesquisando Teatro de maneira um tanto autodidata desde 2011, mais ou menos, e sempre procuro fazer cursos de atuação ou sobre outros temas e práticas relacionadas às artes cênicas. Assim, eu me colocaria como um crítico amador - talvez mais no sentido que meu colega de revista Luca Scupino coloca em seu texto sobre o cinema de Éric Rohmer e Hong Sang-soo.
Quanto aos critérios. Eles são puramente subjetivos: se eu gostei do espetáculo, se eu ainda me lembro vividamente dele ao escrever essa lista, ele entra nela. Ao mesmo tempo, existem alguns recortes. Em primeiro lugar, eu preciso ter assistido ao espetáculo em algum momento do ano - afinal, né: não tem como comentar o que eu não assisti. Outro critério evidente é o geográfico, implícito no título da lista: eu moro na cidade de São Paulo, então só consigo ver as peças que entram em cartaz aqui. O recorte temporal é menos objetivo e mais pessoal: as peças não precisam ter feito sua estreia em 2024, é preciso que eu tenha assistido ao espetáculo em 2024 - por isso você verá aqui peças cuja montagem fez sua estreia em anos anteriores.
Por fim, é válido dizer que algumas peças não estão aqui devido ao meu gosto pessoal. Algumas peças estão aqui porque chamaram a atenção da crítica e do público ao longo desse ano, tendo até recebido prêmios (ou indicações até o momento de redação do texto). Nesse sentido, julgo ser interessante ter o registro desses espetáculos nesta lista - não me faz sentido uma lista de destaques que envolva apenas meu gosto pessoal. No entanto, ainda que muitas peças que chamaram a atenção da crítica e do público também sejam do meu gosto, há outras que considero fracas ou até mesmo me dão certo desgosto - nesse último caso, serei honesto com você e compartilharei meus incômodos com essas montagens.
Bom, acredito ter explicado tudo o que precisava. Então vamos lá: confira a seguir alguns destaques do ano de 2024 (em ordem alfabética). No final da lista, você encontra a seção Melhores do Ano.
PEÇAS TEATRAIS
Alegria é a Prova dos Nove (2024), de Johana Albuquerque e Elcio Nogueira Seixas em processo colaborativo [Cia. Teatro Promíscuo]
Em 1967, Renato Borghi protagonizou a primeira montagem de O Rei da Vela, peça escrita por Oswald de Andrade em 1933, realizada pelo Teatro Oficina. Quase sessenta anos depois, ele retorna a se debruçar nos textos de Oswald para compor o espetáculo Alegria é a Prova dos Nove ao lado da companhia Teatro Promíscuo. Seguindo o formato de uma revista antropofágica, a peça a se inicia com a chegada de um jornalista para entrevistar o velho modernista, que rememora passagens de sua vida. Em um ano recheado de peças com a velha guarda do teatro brasileiro (todas citadas a seguir), é sempre um prazer poder rever Renato.
*Alegria é a Prova dos Nove fez sua estreia em 08 de novembro no Sesc Pompéia, onde permaneceu em cartaz até 08 de dezembro. A peça também foi apresentada no auditório do Itaú Cultural nos dias 12 a 15 de dezembro.
Azira'i, um musical de memórias (2023), de Zahy Tentehar e Duda Rios [Sarau Agência de Cultura Brasileira]
No solo Azira’i, a atriz Zahy Tentehar relembra os momentos em que conviveu com sua mãe, primeira mulher a se tornar pajé da reserva indígena de Cana Brava, no Maranhão. Trata-se de uma relação complexa, como já seria normalmente ao pensarmos em uma filha e sua mãe, só que com outras particularidades. Azira’i foi uma mulher sábia e herdeira de saberes ancestrais; utilizava três ferramentas para curar: as plantas, a mão e o canto. Como herdeira desse legado, Zahy fez do canto uma de suas expressões artísticas e, neste espetáculo, ela entoa lamentos ensinados por sua mãe além de canções originais.
Em uma primeira aparição, Zahy se apresenta de forma imponente: segurando um facão em suas mãos e declamando o texto em Ze’eng eté, sua língua nativa. Quando começa a narrar em português, ela nos surpreende com uma voz doce e acolhedora, bastante reflexiva e trazendo o debate sobre os processos de aculturamento aos quais ela e sua mãe foram submetidas. É interessante reparar como Zahy negocia com a expectativa dos espectadores por uma “história indígena”: ao mesmo tempo em que entrega ao público o que ele espera ouvir, com descrições idílicas de uma vida próxima a natureza; ela também quebra essa percepção ao narrar seu cotidiano de pontes aéreas saindo do Rio de Janeiro (cidade onde vive) até São Paulo (para realizar o espetáculo).
*Azira’i esteve em cartaz de 08 a 31 de março no Sesc Ipiranga. O solo fez sua estreia em 12 de outubro de 2023 no CCBB-RJ (Rio de Janeiro, RJ) cumprindo temporada até 05 de novembro daquele ano. Em 2024, a peça também realizou apresentações especiais no auditório do Itaú Cultural (SP) entre 07 e 09 de novembro.
Bárbara! (2021), de Michelle Ferreira a partir do livro de memórias A Saideira, escrito por Barbara Gancia
Em seu primeiro monólogo, Marisa Orth interpreta a jornalista Barbara Gancia. Em Bárbara!, testemunhamos a jornada de uma mulher para ficar sóbria após entender a condição de seu alcoolismo. Conhecida por seus trabalhos na comédia, este solo demonstra a destreza de Marisa para o drama (gênero que, inclusive, ela sempre fez). Sem deixar o bom humor de lado, a peça não se esquiva de versar sobre o impacto social arrasador do alcoolismo. A peça adapta o livro A Saideira e, assim, leva adiante o tema para um público além dos leitores.
*Bárbara! esteve em cartaz de 01 de março a 28 de abril. O solo fez sua estreia e primeira temporada paulistana em 22 de outubro de 2021 no Teatro FAAP.
Cabaré Coragem (2023), do Grupo Galpão
O Grupo Galpão apresenta uma trupe de artistas de cabaré já envelhecidos, mas que insiste em permanecer na ativa apesar das adversidades e da exploração perpetrada pela dona do espaço (interpretada por Teuda Bara). Por meio de um show de variedades, a peça mescla um repertório de músicas tocadas ao vivo, permeadas por textos do dramaturgo alemão Bertolt Brecht.
*Estreou em 01 de junho de 2023 no Galpão Cine Horto (Belo Horizonte, MG) e permaneceu em cartaz até 18 de junho daquele ano. Fez sua estreia paulistana em 04 de abril de 2024 no Sesc Belenzinho e permaneceu em cartaz até 05 de maio de 2024.
Cabaret (1987), de Joe Masteroff (texto), Fred Ebb (letras) e John Kander (música)
Esta montagem do musical clássico foi inspirada na atual montagem britânica, ainda que não tenha sido réplica. Encenada no 033 Rooftop, o cenário colocava os espectadores dentro do próprio cabaré onde se passa a história. Na trama, o jovem escritor estadunidense Cliff Bradshaw (interpretado por Ícaro Silva) se muda para Berlim em 1931. Seu colega Ernst Ludwig o leva para conhecer o Kit Kat Club, comandado por um Mestre de Cerimônias, ou Emcee (André Torquato), sarcástico e um tanto autoritário. Lá, o jovem conhece e se apaixona pela britânica Sally Bowles (Fabi Bang), uma cantora de pouco talento e muito deslumbrada. Enquanto os dois tentam viver seu romance e se divertir, o partido nazista ascende ao poder na Alemanha. Ao colocar os espectadores dentro da casa de shows onde acontece a história é como se o espetáculo estivesse nos colocando no mesmo nível que Sally: enquanto nos divertimos lá dentro sem se preocupar com qualquer problema, do lado de fora o Brasil enfrenta mais um período de eleições e precisa desbaratar uma trama golpista na qual membros das forças militares estavam envolvidos.
*Cabaret no Kit Kat Club esteve em cartaz de 08 de março a 12 de maio no 033 Rooftop (Teatro Santander).
Clara Nunes: A tal Guerreira (2024), de André Magalhães e Jorge Farjalla
O musical biográfico Clara Nunes: a tal Guerreira tem seu início no fim: quando a biografada está em coma, pouco antes de falecer. No limiar, entre a vida e a morte Clara Nunes (interpretada por Vanessa da Mata) passar por uma viagem espiritual guiada por seus orixás e sua amiga, a atriz e diretora teatral Bibi Ferreira (Carol Costa), ao mesmo tempo que relembra algumas passagens de sua vida. Ainda que sua premissa seja inventiva, o musical não foge muito de pautar sua narrativa apenas por momentos-chave da vida de sua protagonista, sendo a maioria deles resultado do relacionamento com cada um de seus três maridos - não fosse a presença de Bibi, pareceria que Clara nunca teve uma amiga sequer. As músicas são sempre muito animadas, muitas vezes com parte do elenco tocando os instrumentos em cena.
*Esteve em cartaz de 02 de agosto a 29 de setembro no Teatro Bravos. O espetáculo irá retornar em 2025 para uma nova temporada, sediada pelo Teatro Renault, entre os dias 10 de janeiro e 02 de fevereiro.
A casa de Bernarda Alba (La casa de Bernarda Alba, 1945), de Frederico García Lorca [Os Satyros, 2024]
Escrita pelo espanhol Frederico Garcia Lorca, A Casa de Bernarda Alba conta a história de uma matriarca autoritária, Bernarda, que impõe um luto rígido de oito anos sobre suas cinco filhas após a morte de seu segundo marido. Nesta montagem realizada pelo grupo Os Satyros, o elenco muda a cada dia de apresentação: hora com atrizes interpretando as protagonistas, hora com atores, hora com elenco de gênero misto. Ainda que não exista um personagem masculino em cena, a proposta acabava por ressaltar as questões de gênero implícitas no texto, jogando luz à maneira como as mulheres são subjugadas por uma sociedade patriarcal, conservadora e extremamente religiosa.
*A Casa de Bernarda Alba esteve em cartaz de 26 de julho a 18 de julho no Teatro Raul Cortez do Sesc 14-bis. Depois, a montagem fez uma temporada na sede dOs Satyros de 31 de agosto a 10 de novembro. Sendo apresentada novamente nos dias 14 e 17 de novembro como parte da mostra Satyrianas. Por fim, fez suas últimas apresentações no ano de 06 a 14 de dezembro.
A Casa dos Budas Ditosos (2003), de Domingos Oliveira a partir do livro homônimo de João Ubaldo RIbeiro O dispositivo de A Casa dos Budas Ditosos é simples: quando foi anunciado que João Ubaldo Ribeiro havia sido contratado pela editora Objetiva para escrever o volume temático da “Luxúria” para uma série de romances sobre os sete pecados capitais, uma senhora de 68 anos (interpretada por Fernanda Torres no monólogo) envia-lhe fitas cassetes nas quais narra sua história de vida, em especial suas façanhas sexuais, na intenção de que os leitores possam aprender algo de útil com ela, em especial a ter uma vida sexual mais livre e bem-sucedida. O que lemos no livro é a transcrição das tais fitas; já na peça, assistimos à própria baiana gravando o material.
Trata-se de um solo que mexe com seus espectadores de diversas formas: seja pela comicidade de certas passagens, sempre narradas com muita seriedade; seja por tocar em temas que, mesmo 20 anos após sua estreia, permanecem tabus. Para além da trama inusitada, o que chama a atenção é a habilidade de Fernanda Torres em dar forma às palavras de João Ubaldo. Após mais de 20 anos indo e voltando em cartaz com essa peça e tendo experiências de atuação das mais variadas no Cinema, TV e Teatro variando entre dramas e comédias, é como se Fernanda tivesse deixado sua atuação cada vez mais afiada e precisa. Se em alguns casos, a interpretação de um mesmo personagem após alguns anos pode tornar a interpretação de um ator um tanto acomodada, aqui nós temos uma atriz que se diverte ao explorar as nuances do texto e testar as reações do público. De todos os papeis memoráveis de Fernanda, sem dúvida a baiana está ao lado de Eunice Paiva como sendo uma de suas melhores interpretações.
A única crítica a esta montagem vai para a escolha do local de apresentação. O Tokio Marine Hall não é um teatro, é uma casa de show e, portanto, um espaço inadequado para este tipo de peça. A plateia era composta por diversas mesas e, como não há inclinação do piso, se alguma pessoa mais alta que você sentasse à sua frente, você simplesmente perdia a visão de Fernanda. Este problema tentou ser resolvido por meio de dois telões que transmitiam o espetáculo como se estivéssemos assistindo a um show - mas, convenhamos, se é para assistir ao vídeo do espetáculo, era preferível ter ficado em casa assistindo do conforto do sofá e sem viajar para o extremo sul de São Paulo pagar um ingresso caríssimo. É estranha a escolha desse espaço uma vez que outros teatros, como o Santander, tinham a mesma capacidade que o Tokio Marine Hall e estavam vazios durante o feriado de Corpus Christi. Mais estranho ainda foi que a produtora dessa peça tenha conseguido pautar a leitura de Fernanda Montenegro para uma temporada longa no Teatro Raul Cortez, mas não para os Budas. Espero de coração que, passada a campanha de lançamento de Ainda Estou Aqui, Fernanda retorne a São Paulo para apresentar A Casa dos Budas Ditosos, dessa vez, em um teatro de verdade.
*A Casa dos Budas Ditosos esteve em cartaz de 30 de maio a 02 de junho no Tokio Marine Hall, como parte da comemoração de 20 anos da peça. Fez sua estreia paulistana em 21 de novembro de 2003 no CCBB-SP, rendendo um Prêmio Shell de Melhor Atriz para Fernanda.
Codinome Daniel (2024), de Zé Henrique de Paula [Núcleo Experimental]
Codinome Daniel estreou em janeiro deste ano para finalizar a “Trilogia para a Vida”, composta por Lembro Todo Dia de Você (2017) e Brenda Lee e o Palácio das Princesas (2021 / 2022), ambos musicais escritos por Fernanda Maia. Dessa vez, Zé Henrique de Paula assina a dramaturgia do musical biográfico que conta a história de Herbert Eustáquio de Carvalho, conhecido como Herbert Daniel (interpretado por Davi Tápias), um guerrilheiro contra a ditadura nos anos 1960 e 1970 e ativista pelos direitos à saúde de pessoas soropositivas nos anos 1980.
*Esteve em cartaz de 12 de janeiro a 07 de abril no teatro do Núcleo Experimental.
Dois de Nós (2024), de Gustavo Pinheiro
Após anos contracenando na TV e no Cinema, Antônio Fagundes e Christiane Torloni finalmente se encontram nos palcos na comédia Dois de Nós, escrita por Gustavo Pinheiro. Nela, um casal de idoso relembra a trajetória de seu relacionamento e reflete sobre como eles chegaram no ponto em que estão. Aos poucos as versões jovens do casal (interpretadas por Alexandra Martins e Thiago Fragoso) começam a interceder e questionar sobre como as coisas poderiam ter sido. A peça brilha com a dinâmica de Antônio e Cristiane e, em alguma medida, sua premissa lembra o filme Chambre 212, de Christophe Honoré: ao mesmo tempo divertida, sem medo de pesar a mão quando necessário ou acolher a melancolia.
*Dois de Nós esteve em cartaz de 05 de setembro a 08 de dezembro no TUCA. O espetáculo retorna em cartaz no mesmo teatro de 16 de janeiro a 23 de fevereiro.
Édipo REC (2024), de Giordano Castro a partir da tragédia de Sófocles [Magiluth]
Mais do que uma peça de teatro Édipo REC, do grupo recifense Magiluth, é uma experiência. O espetáculo adapta a tragédia de Sófocles dividindo-a em duas partes. Na primeira, os espectadores são convidados para uma festa no meio do palco do teatro e testemunham a chegada de Édipo à Tebas, uma rave, após derrotar a esfinge e seu noivado com Jocasta, a rainha viúva. É um momento extremamente divertido do espetáculo, onde elenco e plateia se misturam e se divertem juntos, mas se você prestar atenção, tem algo errado ali: o adivinho Tirésias aparece e prevê que problemas virão daquele casamento - curiosamente, sua música de entrada é uma versão instrumental de Willkommen, número de abertura de Cabaret. Um homem bêbado interrompe a diversão, acusando Édipo de assassinato e o público precisa evacuar o espaço.
Após o intervalo, o público volta para o interior do teatro mas já não pode subir ao palco e assiste ao espetáculo na plateia: o que antes era um espaço festivo cheio de alegria e lotado de pessoas é agora vazio, melancólico, um fim de festa paira no ar… e é aí que o texto adapta mais diretamente a tragédia grega. Enquanto vemos o destino de Édipo se cumprir, o coro e o corifeu debatem sobre a maneira como o audiovisual, a fotografia e o teatro retratam tragédias que afetam muito mais o povo do que os monarcas: quais são os limites éticos desses retratos? Essas histórias são efetivas em tirar seus espectadores da passividade? Ou são apenas uma maneira de anestesiar a dor por meio de certo fetichismo mórbido?
*Édipo REC fez sua estreia em cartaz de 27 de setembro no teatro do Sesc Pompéia onde permaneceu em cartaz até 26 de outubro. A peça estreou no Recife em 22 de novembro no Teatro Luiz Mendonça como parte da programação do Festival Recife do Teatro Nacional, sendo também apresentada no dia 23.
Fernanda Montenegro Lê Simone de Beauvoir (2023)
Em 2009, Fernanda Montenegro interpretou o monólogo Viver sem tempos mortos, que adaptava a correspondência que a filósofa Simone de Beauvoir tinha com seu marido Jean-Paul Sartre. Anos depois, ela voltou a se debruçar sobre a obra de Simone, dessa vez o livro de memórias Cerimônia do Adeus, para uma leitura realizada na sede da Academia Brasileira de Letras em março de 2023, um ano após ter tomado posse da cadeira 17 da instituição. A leitura dramática fez duas apresentações especiais nos dias 04 e 05 de julho no Teatro Poeira. O espetáculo, enfim, foi apresentado em uma temporada, dessa vez em São Paulo, no Teatro Raul Cortez, do Sesc 14-bis. Além de uma apresentação gratuita no Auditório do Parque Ibirapuera onde espectadores puderam assistir a leitura no interior do auditório e também na área externa com transmissão simultânea - o evento comemorava os 95 anos de idade da atriz (e também o centésimo aniversário do banco Itaú, patrocinador do evento - pois é, o Rio teve a Madonna e São Paulo, a Fernandona).
Me lembro de ler o post de uma pessoa que foi assistir a apresentação no Ibirapuera comparando sua presença no evento a de um membro da pólis grega assistindo a uma peça em arena aberta. E talvez tenha sido algo nesse sentido: a leitura não oferece nada além de uma atriz e sua vontade de dizer um texto; e isso basta. Durante uma hora, olhos e ouvidos atentos se deixaram levar pela narração afetuosa de Fernanda. Durante uma hora o que antes eram apenas palavras em folhas de papel se transformavam em alimento para a imaginação e, quem sabe, novas ideias. Não há nada como escutar uma pessoa que possui 74 de experiência na arte de contar histórias. Uma atriz, a vontade de dizer um texto. E isso basta.
*A leitura dramática de Cerimônia do Adeus ficou em cartaz de 20 de junho a 21 de julho de mês no Teatro Raul Cortez do Sesc 14-bis. Em 18 de agosto, a leitura foi apresentada no Auditório do Parque Ibirapuera - esta apresentação especial foi laureada pelo Guinness World Records com o recorde mundial de maior público em leitura filosófica.
A Filha Perdida (2024), de Juliana Araújo a partir do livro de mesmo nome escrito por Elena Ferrante
Primeira adaptação teatral brasileira de um romance de Helena Ferrante, A Filha Perdida estreou em junho no Sesc Bom Retiro. A montagem foi idealizada e adaptada por Juliana Araújo. Sob a direção de Fernanda Castello Branco e Paula Weinfeld, Juliana e Maristela Chelala se alternavam nos papéis - Maristela interpretava Leda no tempo presente, narrando a história, além das filhas de Leda no tempo passado; já Juliana interpretava Nina no tempo presente e Leda no tempo passado. A trilha musical era interpretada ao vivo por Alex Huszar, que também fazia os papéis masculinos. A peça impressionava por sua ambientação, feita por meio de projeções em telas brancas hora emulando o mar, hora emulando um pinhal, trazendo uma sensação próxima ao terror.
*A Filha Perdida fez suas apresentações de pré-estreia na Fábricas de Cultura de Brasilândia nos dias 21 e 22 de maio e na Fábrica de Cultura de Osasco nos dias 28 e 29 de maio. Esteve em cartaz de 28 de junho a 28 de julho no Sesc Bom Retiro. A montagem também foi apresentada de 23 a 26 de outubro no Teatro Cacilda Becker.
King Kong Fran (2022), de Gabriela Azevedo (Fran) e Pedro Brício
Neste monólogo escrito e interpretado pela comediante Rafaela Azevedo, a palhaça Fran recria (em uma versão extendida) o número de circo da “Monga”, uma mulher que se transforma em gorila e ataca o público. Por meio de um humor catártico para algumas e aterrorizante para outros, ela provoca os espectadores a repensar a maneira como os homens tratam as mulheres.
O mais interessante neste espetáculo está em reparar como Fran-Rafaela negocia com o consentimento da plateia, em especial com o homem-hetero escolhido para participar do espetáculo como o bode-expiatório. A princípio, ela começa perguntando aos homens se pode ver “a mala” deles e, conforme percebe que eles estão dispostos a entrar no jogo, começa a fazer pedidos cada vez mais impositivos. A peça termina com Fran demonstrando como ocorreu o episódio de abuso sexual que ela sofreu, só que com os papéis invertidos - o homem-hetero da vez é colocado como vítima.
Essa negociação me fez pensar sobre como o teatro é (deveria ser) um espaço seguro para abordarmos com seriedade - e ao mesmo tempo com bom humor - temas difíceis e complexos. Ao mesmo tempo em que os homens da plateia sentem certo desconforto (e alívio por não terem sido escolhidos), tudo aquilo é um jogo, é uma brincadeira, é um faz de conta - ninguém sai ferido da experiência, mas com certeza, sai com uma nova perspectiva sobre suas próprias atitudes.
*King Kong Fran estreou em 25 de novembro de 2022 no Teatro Ipanema (Rio de Janeiro, RJ). A primeira temporada paulistana ocorreu entre 03 de outubro e 16 de novembro de 2023 no Teatro Morumbi Shopping. Em 2024, a peça foi apresentada diversas vezes na cidade de São Paulo: entre 19 de fevereiro e 01 de maio no Teatro Morumbi Shopping; nos dias 02 a 05 de maio no Itaú Cultural; e entre 12 de junho a 14 de novembro no Teatro UOL. O espetáculo fará uma breve passagem por São Paulo nos dias 11 e 12 de janeiro de 2025 no Teatro Villa Lobos.
Maria Preta: solo fértil (2024), de [ibt]
Maria Preta – Solo Fértil é um monólogo auto-etnográfico e documental, que evoca as memórias afetivas da atriz Jucimara Canteiro e a trajetória de sua família na cidade de Santos, litoral de São Paulo. Jucimara resgata a história de sua avó Antônia Bruno da Silva, mais conhecida como Maria Preta, uma das fundadoras da Vila Progresso - comunidade localizada na periferia de Santos, litoral de SP. No decorrer da encenação, testemunhamos as transformações do espaço de um terreiro para uma comunidade periférica por meio de um cenário lúdico.
*Maria Preta: solo fértil esteve em cartaz de 20 de setembro a 27 de outubro na Casa de Teatro Maria José de Carvalho, sede da Companhia de Teatro Heliópolis. O espetáculo também foi apresentado no dia 21 de novembro no Teatro Reynuncio Lima (UNESP).
A Mulher da Van (The Lady in the Van, 1999), de Allan Bennet
Esta peça teatral conta a história real de quando Mary Shepherd (interpretada por Nathália Timberg) estacionou a van onde morava bem em frente a casa do escritor e dramaturgo Allan Bennet (Caco Ciocler e Eduardo Silva). A princípio reticente, ele começa a fazer amizade com a idosa e a se preocupar com seu estado de saúde. Aos poucos, ele começa a entender o que levou aquela mulher a passar a viver dentro de uma van. Assim como Fernanda Montenegro, aos 95 anos de idade, Nathália Timberg agracia o público com sua presença carismática no palco oferecendo um espetáculo caloroso e nos mostra o poder de uma atriz experiente em cena.
*A Mulher da Van fez sua estreia em 16 de agosto no Teatro Paulo Autran do Sesc Pinheiros e ficou em cartaz até 15 de setembro.
Mutação de Apoteose (2023), de Cafira Zoé [Teatro Oficina]
Mutação de Apoteose comemora os 65 anos de atuação da companhia Teatro Oficina ao colocar Cacilda Becker (vestida como o vagabundo Estragon, de Esperando Godot) de frente com Euclides da Cunha para que ambos atravessem trechos da narrativa de Os Sertões - mesclando, portanto, três espetáculos que marcaram a história do grupo. Com texto organizado por Cafira Zoé e sob a direção de Camila Mota, primeira mulher a assumir a liderança de uma peça do Oficina, celebra as insurreições, as tradições e os cantos em coro dos povos. O título faz menção a uma frase utilizada por Euclides para descrever a transformação que as plantas passam após um grande período de seca, caracterizando-a como uma “mutação de apoteose”. Camila reflete que o teatro é capaz de promover essa mesma mutação trazendo um sopro de vida ao trabalho das artistas. Com muita energia e encanto, o espetáculo acaba refletindo a cooperação necessária para que aconteça uma peça de teatro.
*O espetáculo fez sua estreia em 27 de maio de 2023 no Teatro Oficina Uzyna Uzona e ficou em cartaz até 23 de julho. Mutação de Apoteose voltou a ser encenada no Oficina entre os dias 12 de abril e 09 de junho de 2024.
Parto Pavilhão (2024), de Jhonny Salaberg
As detentas de uma penitenciária feminina para mães fugiram, a única que sobrou ali foi Rose (interpretada por Aysha Nascimento), uma ex-técnica de enfermagem que atuava como parteira naquele pavilhão. Enquanto é interrogada pelos guardas, ela relembra como acabou sendo presa e conseguiu permanecer no pavilhão para mães, mesmo após seu filho já ter crescido. Apesar da dureza dos temas levantados pelo monólogo (dentre eles o racismo, a misoginia e as condições degradantes do cárcere), Parto Pavilhão se mostra como um desejo de liberdade. É uma peça bem humorada, que ganha muito com o carisma de sua intérprete mostrando que, mesmo em condições adversas, a esperança sempre permanece.
*Parto Pavilhão estreou em 22 de fevereiro de 2024 no Teatro da USP (TUSP - Maria Antônia), onde permaneceu em cartaz até 24 de março. O espetáculo foi apresentado na Mostra de Solos, do Itaú Cultural, nos dias 18 e 19 de maio. Também foi apresentado na Mostra Solo Mulheres, sediada pelo Teatro de Contêiner, no dia 14 de agosto. O monólogo realizou uma temporada no Sesc Pompeia de 17 de setembro até 18 de outubro. Depois, foi apresentado no CCSP nos dias 01, 02 e 03 de novembro. Por fim, finalizou o ano com apresentações nos dias 06, 07 e 08 de dezembro no Teatro Alfredo Mesquita como parte da Mostra 2024 em Cena.
Prima Facie (2019), de Suzie Miller
Prima Facie é um monólogo escrito pela advogada e dramaturga australiana Suzie Miller. A peça estreou em maio de 2019 com Sheridan Harbridge interpretando a advogada criminal Tessa. Em 2022 o solo fez sua estreia no National Theatre, em Londres, uma casa de espetáculos e produtora muito importante na Inglaterra, com a atriz Jodie Comer no papel. A produção britânica recebeu diversos prêmios, incluindo um Laurence Olivier de Melhor Atriz, e foi transferida para a Broadway em 2023, rendendo o Tony de Melhor Atriz para Jodie.
A montagem brasileira de Prima Facie estreou em maio deste ano no Rio de Janeiro. Foi interpretada por Débora Falabella sob a direção de Yara de Novaes. Neste monólogo, testemunhamos o relato de Tessa, uma advogada especializada em defender abusadores sexuais. Ela é muito crente no funcionamento do sistema de justiça e em sua capacidade de chegar à verdade; ela defende que seu trabalho de defesa está em apenas mostrar um outro lado da história e deixar o júri decidir, seu trabalho consiste apenas em demonstrar as inconsistências nos depoimentos das vítimas e, assim, havendo espaço para dúvida, seria possível absolver seu cliente. Tudo muda quando ela mesma se torna vítima de um estupro e decide ir adiante com a acusação.
Por meio do depoimento de Tessa, somos capazes de compreender como o sistema de justiça é, na realidade, falho e incapaz de defender as vítimas. Mais do que isso, compreendemos a dor das mulheres e de qualquer outra pessoa que um dia venha a se tornar vítima de um abuso sexual. É um relato muito cru, honesto e bastante doloroso. É uma peça angustiante por nos dar apenas o diagnóstico do problema, mas não o remédio: ela deixa em nossas mãos a responsabilidade de mudar esse sistema - cabe ao espectador se sentir tão indignado quanto Tessa.
Podemos perceber na montagem brasileira o poder da junção de um texto bem escrito interpretado por uma atriz experiente. A atuação de Débora é precisa, ela tem pleno domínio do texto e do público sendo capaz de fazer com que a gente sinta empatia pela Tessa - mesmo quando percebemos, no início do espetáculo, que ela é uma personagem cúmplice desse sistema machista e misógino. A direção de Yara de Novaes dá o tom de cada cena, distingue as ambientações sem a necessidade de trocas de cenário. Não tem como dizer qual dos três elementos (texto, direção ou atuação) é o melhor, afinal todos se combinam para, juntas, criar um espetáculo potente.
*A montagem brasileira de Prima Facie fez sua estreia em 02 de maio no Teatro Adolpho Bloch no Rio de Janeiro (RJ), onde ficou em cartaz até 30 de junho. O monólogo fez duas apresentações em Brasília (DF) no Teatro Unip nos dias 28 e 29 de agosto. Em 21 de setembro, o monólogo fez sua estreia paulistana no Teatro Vivo, permanecendo em cartaz até dia 01 de dezembro. O espetáculo retorna em cartaz de 07 de fevereiro a 30 de março de 2025, também no Teatro Vivo.
Rita Lee, uma autobiografia musical (2024), de Guilherme Samora
É seguro dizer que o maior sucesso da cena do teatro musical esse ano foi Rita Lee, uma autobiografia musical, cujos ingressos se esgotaram muito antes da estreia - fazendo com que o espetáculo precisasse agendar sessões extras e, depois, prorrogasse constantemente o final de sua temporada. Não deixa de ser motivo de felicidade que um musical original brasileiro tenha obtido tanto sucesso, ainda mais por se propor a prestar uma homenagem a uma das cantoras mais queridas de nosso país - e talvez, no fim das contas, o sucesso se deva justamente ao amor que o público tem por sua personagem biografada.
O musical, no entanto, tem uma dramaturgia bastante protocolar e esquemática, limitando-se a mostrar alguns episódios marcantes na carreira de Rita Lee, embalada por suas canções famosas (e canções de outros artistas que caminharam ao lado dela). É possível argumentar que isso é justamente o que é esperado de uma biografia, mas faltou transformar Rita em uma personagem para levá-la em uma viagem na qual sua transformação na “rainha do rock” envolvesse motivações, dúvidas e conflitos internos. E talvez seja necessário o toque de que Mel Lisboa tenha ficado confortável até demais interpretando a personagem de forma que, ainda que seja uma atuação boa, ela também não traz nada de excepcional. Agora, o que realmente é legal de se observar neste musical foi o cuidado de oferecer para cada um dos membros do coro a chance de brilhar, colocando-os para cantar algum solo - como por exemplo a interpretação de “Bandido Corazón”, por Fabiano Augusto no papel de Ney Matogrosso; ou de “Baby”, interpretada por Yael Pecarovich no papel de Gal Costa.
*Rita Lee, uma autobiografia musical esteve em cartaz de 26 de abril a 08 de dezembro no Teatro Porto Seguro. O espetáculo retornará ao Teatro Porto Seguro para uma nova temporada de 31 de janeiro a 16 de março (os ingressos, porém, já estão esgotados).
O que Só Sabemos Juntos (2024), de Vinícius Calderoni, Luiz Villaça e Denise Fraga
Neste ano, o TUCA foi a casa dos encontros de titãs da televisão. Em O que Só Sabemos Juntos, Tony Ramos se junta à trupe de Denise Fraga para o primeiro espetáculo que os dois fazem lado a lado após diversas colaborações na TV. Após assistir Eu de Você (2019), Tony se deu conta de que gostaria de fazer uma peça como aquela e pediu para Denise e Luiz Villaça (cineasta, diretor de Eu de Você e marido de Denise) para fazerem uma peça juntos. O resultado é um espetáculo que mescla as histórias de vida de Denise e Tony, cenas de um casal em crise, trechos de obras da literatura e da filosofia, além de algumas anedotas dos espectadores - e marca também o retorno de Tony Ramos aos palcos após 20 anos de hiato.
Para não me acusarem de imparcialidade, acho válido apontar algumas críticas. Denise é uma ótima atriz, Luiz é um bom diretor - juntos, eles sabem fazer um arroz com feijão muito gostoso. Porém, O que Só Sabemos Juntos se mostrou um prato composto apenas por arroz e feijão; falta a mistura. No fim das contas, a peça parece mais uma segunda parte de Eu de Você.
Só que a dramaturgia é solta, fragmentada, não há um fio-condutor que leve ao seu final. E talvez por isso O que Só Sabemos Juntos não seja tão instigante quanto Eu de Você foi. O solo trazia histórias reais de pessoas comuns como uma maneira de versar sobre a empatia. Já o dueto traz uma variedade de cenas, sobre diversos assuntos sem que haja um grande tema que os unifique (pelo menos não de maneira evidente). Ainda que, tanto o solo quanto o dueto abordem sub-temas importantes (como depressão, machismo, racismo, LGBTfobia), o primeiro traz essas temáticas ao público por meio de histórias, mostrando novas possibilidades de convivência; o segundo parece apenas falar sobre. É quase um TED Talk ministrado por dois excelentes comunicadores.
A falta de um novo desafio para Denise também pode ter tornado o projeto morno. Por exemplo, ao ter criado seu solo, ela, que sempre foi uma atriz “texto-cêntrica”, tinha se colocado em uma sala de ensaio sem um texto pronto (sem falar da responsabilidade que se assume ao contar a história de vida de outras pessoas); outro exemplo de desafio que levou ao sucesso foi quando ela tinha dúvidas se daria certo uma mulher interpretar o personagem-título de Galileu Galilei.
Vale considerar a possibilidade de ser dirigida pelo marido novamente tenha deixado as coisas confortáveis. Seria interessante ver Denise sendo dirigida por outros diretores após ter feito suas últimas três peças sob a batuta de Luís (A Visita da Velha Senhora em 2018; Eu de Você de 2019 e 2022 a 2024; e agora O que Só Sabemos Juntos). Seria ainda mais interessante vê-la dirigida por mulheres; afinal, até o presente momento, em toda a sua trajetória nos palcos, a única mulher a dirigir uma peça de Denise foi Cibele Forjaz em Galileu Galilei (2015).
*O que Só Sabemos Juntos estreou em 26 de abril no TUCA. Teve sua temporada interrompida em 17 de maio após Tony Ramos precisar ser internado no hospital para tratar um hematoma subdural. Felizmente, o tratamento foi um sucesso e Tony permaneceu em repouso durante o restante dos meses de maio e junho. Durante a ausência de Tony, Eu de Você entrou em cartaz no TUCA de 7 de junho a 7 de julho. O que Só Sabemos Juntos retornou aos palcos em 12 de julho e permaneceu em cartaz no TUCA até o dia 18 de agosto. O espetáculo fez apresentações no Teatro Paulo Eiró entre os dias 06, 07 e 08 de dezembro como parte da Mostra 2024 em Cena.
Tarsila, a Brasileira (2024), de Anna Toledo
Mais um musical biográfico, Tarsila, a Brasileira traz como personagem uma das pintoras mais reconhecidas de nosso país, interpretada por Claudia Raia. A história se inicia com o retorno da artista a São Paulo após um período estudando pintura na Europa, acompanhando o desenvolvimento do modernismo brasileiro até sua morte. O musical também traz a aparição de figuras como Anita Malfatti (Keila Bueno), Mário de Andrade (Dennis Pinheiro), Pagu (Carol Costa) e, é claro, Oswald de Andrade (Jarbas Homem de Mello).
É interessante ver um musical brasileiro preocupado em trazer para o público a história de uma artista que valorizou tanto a cultura nacional. Porém talvez tenha faltado alguma antropofagia: Tarsila, a Brasileira é um musical que não consegue se desprender das referências e da lógica de produção de um grande musical da Broadway. E o final mostra um pouco dessa dissonância: ao morrer e ficar sabendo que O Abaporu foi leiloado por não-lembro quantos tantos zilhões de dólares, Tarsila fica indignada e fala que a arte brasileira é muito mais do que o valor monetário atribuído a ela. E o coro canta: “Somos mais que um cifrão em um leilão!”. O coro canta “Somos mais que um cifrão em um leilão”, no palco do Teatro Santander, que fica dentro do complexo do Shopping JK Iguatemi. “Somos mais que um cifrão em um leilão” em um musical cujo ingresso mais caro custou R$ 280,00. Então nós temos um musical que se propõe a valorizar a cultura brasileira, mas quem são os brasileiros que podem pagar o valor do ingresso (além do transporte e possível alimentação no local)?
Tá certo que o Balcão B tinha ingresso a R$25,00 (a meia entrada), mas você já viu a visibilidade daquelas poltronas? E por falar nisso… O que realmente me fez perder a amizade com esse musical foi o final do primeiro ato. Eu estava sentado no frisa porque não queria pagar tão caro (e ainda assim, paguei R$ 110,00 meia entrada), mas queria sentar relativamente próximo do palco. O final do primeiro ato é o momento em que Tarsila presenteia Oswald, então seu marido, com O Abaporu e seu grupo de amigos a saúdam afirmando que aquela é a obra-prima da pintura brasileira. O Abaporu era mostrado ao público em uma reprodução gigantesca que ia do piso ao teto do palco, produzida por um telão de led. E eu só consegui ver o pezão da figura porque o cenógrafo colocou duas formas geométricas brancas puramente ornamentais (ornamentos, em uma peça sobre modernismo - pois é) que barraram a vista de quem estava sentado nos frisas. Aí eu aproveito o intervalo para ler o programa e tentar descobrir quem é o cara que teve essa ideia brilhante. Descubro que o cenógrafo é o próprio diretor da peça, cuja mini-bio diz:
“Paulista nascido e criado no bairro do Brás no seio da colônia de imigrantes napolitanos. Signo de ÁRIES, Ascendente CAPRICÓRNIO. LUA e LILITH em CAPRICÓRNIO. Portanto exigente e rabugento. Não discute com ninguém, jamais, pois está sempre certo.” [Só depois ele diz sua formação e anuncia que está prestes a lançar um livro sobre ele mesmo #VemAí]
Um querido, né? Olha, eu até entendo que a vista do frisa sai um pouco prejudicada devido ao local onde ele é posicionado dentro do auditório. Mas SE VOCÊ É UM DIRETOR REALMENTE EXIGENTE, você aproveita os ensaios técnicos para assistir a peça em todas as poltronas desprivilegiadas do teatro para garantir que DOIS TRECOS GEOMÉTRICOS ORNAMENTAIS não estejam impedindo a visão dos espectadores do quadro que coloca o enredo no “apogeu” do primeiro ato.
*Esteve em cartaz de 25 de janeiro até 26 de maio no Teatro Santander.
Tio Vânia (Dyádya Ványa, 1899), de Anton Tchéckov [Grupo Tapa, 2024]
Dirigida por Eduardo Tolentino de Araújo, esta montagem de Tio Vânia é uma peça de teatro raíz. Nenhuma iluminação estilizada ou com mudanças bruscas; as músicas são realizadas em cena por membros do elenco num piano ou em um violão; nenhuma pirotecnia de projeção; nem mesmo os atores usam microfone, é tudo no gogó. É simples e direto. E é justamente por isso que a montagem é tão interessante.
Tio Vânia fala sobre os moradores de uma propriedade rural que fazem parte de uma aristocracia decadente. O mundo suntuoso da monarquia russa, ainda que não perceba, começa a dar lugar para a vida do proletariado que migra para as cidades ou que “moderniza” a vida no campo. E um de seus personagens, Astrov, percebe que isso tem um preço: antes recheada por florestas, a propriedade rural começa a dar espaço para monoculturas e fábricas, fazendo a biodiversidade local minguar.
Muito mais interessante que tentar transpor Tio Vânia para a atualidade, talvez seja colocá-la em seu devido contexto, investigando as movimentações sociológicas que ocorreram naquela época e diagnosticando o início de problemas que persistem até hoje. Assim, os solilóquios de Sônia e Astrov sobre desmatamento nos assombram: parece que estamos alertando para a possibilidade de uma crise ambiental há um século, e ainda assim, permitimos que a crise climática e ambiental tenha chegado no ponto em que estamos - no qual os dias ganham um filtro sépia por causa de queimadas na Amazônia e nas monoculturas do centro-oeste. Assim, o descaso dos proprietários de terra se revelam mais antigos que a antipatia nutrida por Serebriakov pelas pessoas e terras que o sustentam.
*Esteve em cartaz de 10 de maio a 16 de junho no Sesc Santana. O espetáculo fez três apresentações nos dias 06, 07 e 08 de dezembro no Teatro Arthur Azevedo como parte da Mostra 2024 em Cena.
Todas as Coisas Maravilhosas (Every Brilliant Thing, 2014), de Duncan Macmillan e Joe Donahue
Em Todas as Coisas Maravilhosas acompanhamos a história de um garoto que descobre, aos seis anos de idade, que sua mãe sofre de depressão. A partir daí ele começa a escrever listas de todas as coisas maravilhosas que podem fazê-la recuperar a vontade de viver e sorrir novamente. Testemunhamos a passagem da infância para a adolescência até a vida adulta e vemos a lista ganhando cada vez mais itens. Interpretado por Kiko Mascarenhas, com o auxílio dos espectadores, o solo aquecia os corações mostrando como as coisas maravilhosas muitas vezes estão nos pequenos detalhes.
*Esteve em cartaz de 08 de março a 29 de setembro no Tucarena (TUCA).
Torto Arado, o Musical (2024), de Elisio Lopes Jr, inspirado no livro de mesmo nome de Itamar Vieira Junior
O romance de Itamar Vieira Júnior, vencedor do Prêmio Jabuti em 2020, ganhou uma versão teatral no formato de musical. Na trama, as irmãs Bibiana (interpretada por Larissa Luz) e Belonísia (Bárbara Sut) vivem em condições de trabalho escravo contemporâneo em uma fazenda no sertão da Chapada da Diamantina. Após um acidente envolvendo uma faca guardada na mala da avó, as vidas de ambas se tornam ligadas eternamente. Mais do que a transposição de um livro renomado, o que realmente chamava a atenção em Torto Arado, o Musical estava na sua feitura demonstrando todas as possibilidades de um musical brasileiro de alta qualidade sem jamais se dobrar às convenções do gênero impostas pela Broadway. Além, é claro, das atuações carismáticas de Larissa e Bárbara.
*Torto Arado, o musical fez sua estreia em 13 de setembro em Salvador (BA) no Teatro Sesc Casa do Comércio e permaneceu em cartaz até 25 de outubro. Fez sua estreia paulistana em 20 de novembro no Teatro Raul Cortez, do Sesc 14-bis, onde permaneceu em cartaz até 15 de dezembro.
A Última Entrevista de Marília Gabriela (2024), de Michelle Ferreira
Outro grande sucesso do teatro comercial A Última Entrevista de Marília Gabriela parte de um dispositivo interessante: seu filho Theodoro Cochrane irá fazer as perguntas naquela que pode ser sua derradeira entrevista - uma vez que a idade faz com que a memória e o jogo rápido sejam mais difíceis de aplicar.
O que acaba acontecendo é um acerto de contas. De um lado, Theodoro se ressente por viver à sombra do sucesso da mãe e sofrer com as expectativas impostas nele (pela sociedade? Por ele mesmo?) para se colocar à altura dela - além de questões complicadas relacionadas ao fato dele ser gay. De outro lado, Marília tenta se defender ao afirmar que fez o melhor que podia e que apenas quer ver o filho feliz; ao mesmo tempo em que tem dificuldades de entrar no jogo proposto pelo filho.
É um dispositivo interessante e divertido, porém me pareceu pouco aproveitado uma vez que o diálogo não parecia ir muito além de Theo insistir em se afirmar como um fracasso (algo que, depois de um tempo, parece soar até demais como auto-piedade - e em alguma medida, auto-centrado) e as defesas de Marília. Ainda assim, é uma experiência que não tem medo de propor jogos e camadas. Talvez um dos momentos mais interessantes da peça seja justamente quando ela dá ao público o que ele gosta de ver: um dos presentes tem a possibilidade de subir ao palco e ser entrevistado pela atriz e jornalista - e é ali que Marília mostra que, apesar da idade (ou talvez graças a ela) ainda é Marília Gabriela. E Theodoro Cochrane sempre será Theodoro Cochrane - o que, no fim das contas, é algo que ele faz muito bem.
*A Última Entrevista de Marília Gabriela esteve em cartaz de 03 de maio a 28 de julho no Teatro Unimed. Após uma temporada no Rio de Janeiro de 09 a 25 de agosto sediada no Teatro I Love Prio, a peça retornou ao Teatro Unimed (SP) de 30 de agosto a 27 de outubro. O espetáculo também realizou uma curta temporada no Teatro Villa Lobos nos dias 29 e 30 de novembro.
O Vazio na Mala (2024), de Nanna de Castro
Inspirada na história real de uma família sobrevivente da perseguição nazista aos judeus na Alemanha, O Vazio da Mala tem seu ponto de partida com o retorno do jornalista Samuel (interpretado por Emílio de Mello) ao Brasil para vender o apartamento de seus pais, já falecidos. Ao encontrar-se com sua avó Esther (Noemi Marinho), ele passa a investigar a história de sua família.
A peça recebeu a atenção de diversos prêmios, dentre eles: indicações ao Cenyn (na categoria de Melhor Cartaz e Programação Visual, além de Melhor Qualidade Artística; para citar duas categorias de 15), duas indicações ao APCA, além de ter vencido a categoria de Melhor Peça no Bibi Ferreira. Isso torna o espetáculo inescapável para essa lista, porém, ao contrário dos jurados, eu tenho certo incômodo com o Vazio da Mala: as projeções utilizadas em algumas cenas, além de desnecessárias, foram produzidas por meio de Inteligência Artificial Generativa. Existe um problema ético nesse uso: as IAs Generativas são treinadas por meio de imagens (ou textos) previamente existentes; em sua maioria essas imagens são obtidas sem a autorização de seus autores, ou seja, roubo de propriedade intelectual. É preocupante também que parte do uso de ferramentas de IA Generativa tenham sido utilizadas para rejuvenescer o ator Fábio Herford em um momento no qual sindicatos de atores entram em greve para lutar contra o abuso dessas ferramentas que podem simplesmente substituí-los - seria importante conferir se a ferramenta utilizada também armazena, e usa em seu treinamento, as imagens que foram voluntariamente entregues pelo designer para produzir esse rejuvenescimento.
Na era da reprodutibilidade técnica, as artes cênicas são talvez as únicas que não são possíveis de serem realizadas sem a presença de seres humanos, afinal: um espetáculo cujos intérpretes são avatares é um espetáculo teatral ou uma atração dos parques da Disney? Você definiria “It’s Tough to be a Bug!” como uma peça de teatro? Nesse sentido, me entristece ver uma peça que utiliza IA para produzir um de seus elementos cênicos e também me parece contraditório uma espetáculo que, em alguma medida, fala sobre a desumanização do povo judeu utilize IA Generativa para criar imagens do sofrimento desse povo. E, por falar nisso, ainda que não seja obrigatório, senti falta de algum tipo de menção ao genocídio ao povo palestino que vem ocorrendo desde o ano passado em nome do Estado de Israel - ora, se contamos essas histórias do passado para não esquecer e não repetir, que paralelos podem ser traçados entre a narrativa de O Vazio da Mala e o tempo presente?
*O Vazio da Mala esteve em cartaz de 21 de março até 30 de junho no Teatro Sesi. A peça também foi apresentada na Mostra 2024 em Cena nos dias 13, 14 e 15 de dezembro no Teatro Paulo Eiró.
Vestido de Noiva (1943), de Nelson Rodrigues
Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, fez sua estreia em 1943. É uma das obras-primas de seu dramaturgo e do teatro brasileiro, sendo responsável por inaugurar o teatro modernista brasileiro - antes, a cena comercial era muito ocupado por comédias e não havia espaço para inventividades (elas até existiam, mas ou não saiam do papel, ou ficavam nichadas em produções pequenas). A trama acompanha Alaíde (nesta montagem interpretada por Djin Sganzerla) enquanto ela tenta desvendar uma assassinato que aconteceu em sua vida - o problema é que ela está delirante, as memórias chegam de maneira difícil; ao mesmo tempo, ela tem o auxílio de Madame Cleci (Lucélia Santos), uma prostituta do início do século 20. A inventividade dessa peça está em penetrar a psique de Alaíde, sendo que o cenário é dividido em três planos: o plano do delírio, o plano da memória e o plano da realidade.
A montagem que estreou em 25 de outubro no Teatro Anchieta foi dirigida por Helena Ignez, atriz e cineasta cuja trajetória atravessou momentos marcantes do cinema brasileiro (como o Cinema Novo e o Cinema Marginal), sendo ela própria protagonista desses eventos. E talvez, por isso, ela seja a melhor pessoa a dirigir uma remontagem de Vestido de Noiva. Ao mesmo tempo em que ela respeita o texto de Nelson, sem mudar uma vírgula sequer, ela foi capaz de trazer um olhar mais atualizado para o texto - e, é lógico, recheado de brasilidade e do nosso jeitinho antropofágico de ser.
*Esteve em cartaz de 25 de outubro a 08 de dezembro no Teatro Anchieta, do Sesc Consolação.
AO VIVO dentro da cabeça de alguém (2024), de Marcio Abreu [Cia. Brasileira de Teatro]
Encenada pela Cia Brasileira de Teatro, AO VIVO dentro da cabeça de alguém tem como início as memórias da atriz Renata Sorrah que, em 1974 interpretou a jovem Nina na peça A Gaivota, de Tchékhov. Ela conta que, enquanto dirigia seu carro para um ensaio da peça, teve um momento de epifania no qual parecia ter compreendido o sentido das coisas. Assim, ao lado de Bárbara Arakaki, Bianca Manicongo (também conhecida como Bixarte), Rafael Bacelar e Rodrigo Bolzan, o espetáculo passa a explorar a memória coletiva de nosso país. Ainda que Renata seja o ponto de partida da peça (e, em alguma medida, sua homenageada), a presença do restante do elenco traz uma multiplicidade de vozes e, portanto, de perspectivas, para tentar compreender o que caracteriza a nossa nação (tanto seus aspectos positivos, como negativos) e como é estar vivo neste tempo presente, tão incerto e fragmentário como a própria memória.
*Esteve em cartaz de 22 de agosto a 01 de dezembro no Teatro Sesi.
AS PEÇAS DE VITOR ROCHA
Vitor Rocha rapidamente se tornou um dramaturgo queridinho dos fãs de musicais e críticos teatrais ao estrear o espetáculo Cargas D’Água em 01 de maio de 2018 no Teatro da Cia da Revista. A peça rendeu ao jovem, na época prestes a completar 21 anos, o Prêmio Bibi Ferreira na categoria Revelação (além de ter sido indicado ao lado de Ana Paula Vilar na categoria de Melhor Música Original). Outros musicais vieram em seguida, todos igualmente aclamados por público e crítica - são eles: Se Essa Lua Fosse Minha (2019), O Mágico di Ó (2019), Bom Dia Sem Companhia (2021) e Mundaréu de Mim (2023).
É fácil reconhecer o estilo de Vitor. Normalmente seus musicais possuem tons de fantasia, rimas e metáforas inspiradas por ditados populares e um toque de brasilidade. São bonitos, são fofos; te fazem chorar no final. Em sua maioria, os espetáculos são voltados ao público infantil (ou, ao menos, possuem indicação livre para todos os públicos). Ainda que Bom Dia Sem Companhia trate de temas mais “espinhosos” a peça mantém esse tom lúdico ao colocar a história dentro de um programa matinal para o público infantil com fantoches no elenco de apoio.
Com o musical Donatello (2024), seu primeiro solo, e sua primeira peça “de prosa” Todo Chapéu me Lembra Você (2024), Vitor parece adentrar em uma segunda fase, um momento mais maduro, de sua dramaturgia - que eu apelidei de “Fase Italiana” devido a estética de Donatello e ao país que ambienta Todo Chapéu me Lembra Você.
No solo, o avô de “Amendoin” começa a perder sua memória. O garoto decide, então, criar um cardápio de sorvetes cujos sabores podem trazer de volta as lembranças. O musical acompanha a passagem deste rapaz até a vida adulta.
Todo Chapéu me Lembra Você, por sua vez, se inicia com o retorno do jovem Thomas (interpretado por Theo Nogueira) a sua ilha natal na costa da Itália. Ele veio para administrar a chapelaria de seu avô, que foi hospitalizado. Porém, ele acaba se deparando com Otto (Carmo Dalla Vecchia), um foragido da justiça que está escondido dentro do estabelecimento. Aos poucos, os dois passam a se conhecer e percebem com suas vidas estão mais interligadas do que Thomas gostaria.
Se, em Bom Dia Sem Companhia, os temas “espinhosos” eram abordados mais como citações rápidas para logo serem esquecidos, nessas duas peças, Vitor se aprofunda nas angústias de seus protagonistas sem medo de enfrentar as complexidades da vida.
Ao mesmo tempo, Todo Chapéu me Lembra Você também marca uma verdadeira “saída do armário” para a dramaturgia de Vitor. Aqui, a homossexualidade de seus protagonistas faz parte do tema central da história contada - ao contrário de Se essa Lua Fosse Minha que apresentava um personagem homossexual secundário cuja história era uma lenda narrada em um único número musical; ou de Bom Dia Sem Companhia na qual a homossexualidade do protagonista era citada por meio de subtextos e pouco tinha a ver com as angústias do personagem. Ainda assim, as três peças apresentam histórias onde a sexualidade de seus personagens é motivo de sofrimento, algo que eles devem esconder; são histórias de “um amor proibido” - seria interessante ver uma peça de Vitor no qual a sexualidade de seus protagonistas é diversa e, ao mesmo tempo, algo a ser celebrado. Por exemplo, por que o protagonista de Donatello é heterossexual? E que caminhos teriam se aberto para essa trama se “Amendoin” fosse um homem gay?
*Donatello esteve em cartaz de 08 de maio a 27 de junho no Teatro Commune; retornando para uma segunda temporada entre 15 de agosto e 10 de outubro. O solo também foi apresentado nos dias 13, 14 e 15 de dezembro no Teatro Alfredo Mesquita como parte da Mostra 2024 em Cena.
*Em 2024, Vitor também estreou um musical infantil intitulado Pet Shop - O Musicão. O texto foi escrito sob encomenda e ficou em cartaz de 09 de março a 12 de maio no Teatro Bravos - como eu não assisti ao musical, não é possível fazer uma apreciação crítica dele.
460 ANOS DE SHAKESPEARE
Um dos maiores dramaturgos da história do teatro, se não o maior, William Shakespeare nasceu em 23 (presumivelmente) de abril de 1564. Muitas vezes adaptando lendas, poemas épicos, eventos históricos, entre outros enredos, suas peças ainda parecem ter muito a dizer sobre os relacionamentos humanos e sobre os jogos de poder da política, mesmo tendo se passado quatro séculos. Em abril deste ano, celebramos seus 460º aniversário, fazendo com que várias companhias e produtoras teatrais aproveitassem a oportunidade de trazer o velho bardo de volta para São Paulo.
Julius Caeser – Vidas Paralelas (2023), de Gustavo Gasparini com textos do Bardo [Cia. dos Atores]
Uma companhia teatral decide encenar a peça história Julius Caesar, que narra o assassinato do imperador romano e a desestabilização política que ocorre em seguida. Paralelo aos ensaios (e, portanto, da encenação da tragédia) a própria companhia se mostra desestabilizada: a diretora da peça ganhou um papel de destaque na nova novela do momento e não consegue estar tão presentes nos ensaios, um dos atores se debate para conseguir encontrar um espaço de destaque na companhia a qual ele dedicou sua vida, outro acabou de sair de um episódio de depressão profunda.
Ao colocar estas histórias lado a lado, o espetáculo mostra o poder da coletividade em sonhar um futuro possível. Se na tragédia shakespeariana o povo é ludibriado por promessas que políticos não podem cumprir (a exemplo da cena do funeral de César), o microcosmo de uma companhia de teatro mostra que seu pleno funcionamento depende da honestidade de seus membros e na negociação honesta dos termos que estabelecerão seu projeto de futuro.
*Julius Caesar - Vidas Paralelas esteve em cartaz de 21 de junho a 14 de julho de mês no Teatro Anchieta do Sesc Consolação. O espetáculo estreou em 12 de janeiro de 2023 no Teatro Oi Futuro no Rio de Janeiro (RJ), onde ficou em cartaz até 12 de fevereiro.
Drunk Shakespeare (2014)
Drunk Shakespeare é um espetáculo nova-iorquino que estreou no off-broadway em 2014. Basicamente, é um formato: seis atores se reúnem para interpretar uma peça de Shakespeare, só que um deles é sorteado para beber de quatro a seis doses de alguma bebida alcoólica escolhida pela companhia. O desafio desse ator é chegar até o fim da peça, mesmo estando progressivamente bêbado - isso porque uma ou duas pessoas da plateia são selecionadas para serem o Rei (e a Rainha) da noite e decidir em determinados momentos se esse ator selecionado precisa beber mais doses.
Neste ano tivemos duas montagens diferentes dessa peça. Shakespeare Embriagado, sob a direção de Dagoberto Feliz, estreou em janeiro no Espaço Manivela em uma montagem na qual a trupe interpreta Hamlet. Enquanto Um Porre de Shakespeare estreou em junho sob a direção de Zé Henrique de Paula no teatro do Núcleo Experimental em uma montagem na qual o elenco interpreta Macbeth. Por mais que o formato do espetáculo seja o mesmo, cada montagem trouxe abordagens diferentes em sua realização - muito para administrar o consumo de álcool e a ressaca no dia seguinte.
Shakespeare Embriagado reduziu a tragédia de “Hamlet” de três horas para uma hora de duração. O que acaba perdendo muito da poesia de Shakespeare, afinal são necessárias muitas reduções para caber tudo nesse tempo. Essa redução ocorre porque, apesar de um dos atores ser sorteado pra beber antes da peça começar, a partir do momento em que o Rei (pessoa selecionada aleatoriamente na plateia e que também interpreta Claudio) começa a tocar a campainha, todo o elenco bebe junto. O Rei também pode tocar a campainha quantas vezes quiser e de maneira aleatória. O elenco é fixo: sempre o mesmo ator faz o Hamlet, sempre a mesma atriz faz a Ofélia. A peça também era apresentada uma vez por semana.
Um Porre de Shakespeare preserva o texto de “Macbeth” quase em sua integridade fazendo a duração do espetáculo ser de três horas e com intervalo. Apenas o ator sorteado da noite bebia, os demais permaneciam sóbrios. Os momentos em que o ator sorteado beberia mais shots ao longo da peça também eram controlados. Um dos membros do elenco interrompia a encenação em momentos específicos e dirigia-se ao Rei e à Rainha (membros da plateia que compraram as poltronas específicas para essa função) com uma caveira em mãos: se eles tocassem na caveira, o ator sorteado bebia mais um shot - evidentemente, o Rei e a Rainha sempre tocavam na caveira. Como a peça era apresentada quatro vezes na semana em dias consecutivos, no dia seguinte o ator sorteado tinha folga e era substituído - ou seja, de um elenco de sete pessoas, apenas seis se apresentavam. Nessa montagem, além da bebedeira, havia um desafio a mais: o elenco trocava seus papeis na noite seguinte, fazendo com que cada ator tivesse que aprender mais de um papel (e, portanto, memorizar mais texto).
Esteticamente falando, a montagem de Shakespeare Embriagado (“Hamlet”) é muito mais livre e até iconoclasta. Muito por causa desse formato: se o elenco inteiro está bebendo o tempo todo, não tem como fazer uma peça muito marcadinha e “correta” - o elenco estava livre para improvisar e brincar bastante. Se de um lado a poesia do texto era perdida, de outro lado a escolha das músicas para acompanhar a montagem foi muito inspirada - algumas eram muito engraçadas, outras mais profundas.
Conforme a definição de Zé, o Núcleo Experimental é uma companhia muito “texto-cêntrica”. E eu definiria o Zé como um esteta, se você assiste as peças dele você fica deslumbrado com os cenários e figurinos; a direção de elenco é muito cuidadosa. Todas as peças do Núcleo se debruçam sobre as particularidades, esculpindo seus espetáculos com zelo. E aqui não seria diferente. Os atores tinham liberdade para improvisar e muito do humor da peça vinha por conta desse formato lúdico - o que acabava se tornando uma ótima introdução a um texto do Bardo.
*Shakespeare Embriagado (Hamlet) esteve em cartaz no Espaço Manivela em temporadas: de 17 de janeiro a 29 de fevereiro; de 02 de maio a 27 de junho; e de 18 de julho a 26 de setembro. A comédia retornou ao Manivela para apresentações especiais em: 12 e 19 de outubro; 08, 15, 22 e 30 de novembro; e 07 e 20 de dezembro. O espetáculo também fez apresentações no Coringa Madá de 13 de setembro até 13 de dezembro. O espetáculo realizou apresentações especiais no Clube dos Barbixas com membros do trio participando do espetáculo: no dia 10 de agosto, com Anderson Bizzocchi; 24 de agosto, com Elídio Sanna; e no dia 21 de dezembro, com Daniel Nascimento.
*Um Porre de Shakespeare (Macbeth) esteve em cartaz de 01 de junho a 22 de julho de 2024 no Teatro do Núcleo Experimental.
Primeiro Hamlet (cca. 1603), de W. Shakespeare
Como o nome indica, esta montagem de Hamlet resgata a primeira versão do texto da tragédia. Normalmente, a terceira versão é a mais encenada - retrabalhada pelo Bardo, ela tem uma extensão maior e promove mais digressões filosóficas em seus temas. Já a primeira versão é mais curta e ágil, revelando como Hamlet, na verdade, é muito mais um thriller político. Sob a direção de Gabriel Villela, conhecido por seu estilo circense, o espetáculo ressalta o caráter pernicioso de seus personagens por meio da palhaçaria. O resultado, no entanto, é lúgubre - o cenário, por exemplo, replica as queimadas no cerrado - mostrando que se existe algo de podre na Dinamarca, ela não está tão longe daqui.
*Esteve em cartaz de 11 de maio a 16 de junho no Teatro Antunes Filho do Sesc Vila Mariana.
Rei Lear (King Lear, cca. 1603-1606), de W. Shakespeare [A Extemporânea, 2024]
A montagem de Rei Lear da companhia A Extemporânea trazia um componente inusitado: o elenco inteiro era composto por drag queens. Talvez a proposta de fazer Shakespeare com drag queens não seja original (me lembro de um episódio de RuPaul’s Drag Race no qual o desafio do dia era adaptar shakespeare. Ainda assim, é uma ideia que dá muito frescor para a tragédia do Bardo.
Shakespeare tem comédias nas quais as protagonistas passam boa parte da história disfarçadas de homem. Como na época de Shakespeare apenas homens podiam atuar no teatro, isso trazia uma brincadeira com papeis de gênero muito interessantes: é um rapazinho interpretando uma mulher que passa a maior parte da peça fingindo ser homem. Nesse sentido, ao escolher fazer uma tragédia, A Extemporânea talvez tenha “perdido” a chance de falar de maneira mais direta sobre papeis de gênero ao colocar atores e atrizes (cis ou trans) de drag fazendo personagens que “trocam” de gênero o tempo todo.
Ainda assim, a escolha por uma tragédia é muito interessante. Nós temos a tendência a enxergar as drag queens como os palhaços do século 21 por suas performances cômicas e irreverentes, uma persona que entretém. Ao optar por uma tragédia, A Extemporânea ofereceu para essas performances a chance delas mostrarem seus talentos para além do entretenimento. E aqui, vale elogiar as interpretações de DaCota Monteiro (como conde de Gloucester) e Alexia Twister (como Rei Lear), que entregaram muito bem os momentos trágicos e emotivos: a empatia demonstrada pelo público nas cenas nas quais seus personagens têm seus corações partidos era audível. Ao mesmo tempo que a montagem de Rei Lear não deixava de ser hilária, com boa parte do humor vindo desse choque entre um texto trágico e a performance lúdica das drag queens.
O motivo mais interessante na escolha por uma tragédia se dá porque as pessoas têm uma tendência a acreditar que Shakespeare seja um autor difícil. Ao mesmo tempo, Rei Lear não é uma tragédia tão conhecida pelos brasileiros (ao contrário de Hamlet ou Romeu e Julieta). Só que Shakespeare sempre foi popular, as peças tinham preços acessíveis para o povo e mesmo as tragédias tinham um personagem cômico - em Rei Lear, por exemplo, o Bobo da corte. Então ao colocar drag queens para fazer uma tragédia, A Extemporânea foi capaz de trazer um público jovem para conhecer uma peça de Shakespeare, mostrando toda a diversão que uma boa encenação do Bardo pode ter.
*Rei Lear esteve em cartaz de 26 de julho a 25 de agosto no Teatro Anchieta do Sesc Consolação. A montagem realizou uma temporada no Teatro Alfredo Mesquita de 5 a 29 de setembro. Por fim, realizou uma curta temporada de 31 de outubro a 03 de novembro no Teatro Arthur Azevedo.
Shakespeare Apaixonado (Shakespeare in Love, 2014), de Lee Hall a partir do roteiro de Marc Norman e Tom Stoppard
Adaptada do roteiro do filme de mesmo nome, Shakespeare Apaixonado é uma ficção que imagina uma possível história de criação para a tragédia Romeu e Julieta. Durante uma crise criativa, o jovem dramaturgo Will conhece a Viola, uma aristocrata, e os dois passam a viver um romance proibido - uma vez que ela está prometida para o conde de Wessex.
Este espetáculo transformou o espaço do 033 Rooftop em um teatro elisabetano, com o palco de madeira avançando pela plateia ao redor. Com um cenário minimalista e um jogo de luz sóbrio, restava ao elenco contar a história: o mais interessante era perceber como todos se movimentavam-se como um grupo, munidos pela mesma vontade de homenagear o bardo e, por que não, se divertir no meio do processo. É meio brega colocar dessa forma, mas tendo a concordar com Cristina Camargo quando ela escreveu que Shakespeare Apaixonado é uma carta de amor ao teatro.
*Esteve em cartaz de 02 de agosto a 13 de outubro no 033 Rooftop, do Teatro Santander.
TEATRO INDEPENDENTE
DOIS SOLOS, UMA NOITE: Confesso e TUDO (2024)
Frutos da segunda edição da Oficina de Solos Autorais, ministrada por Davi Novaes, Confesso e TUDO são monólogos escritos por Lívia Salvador e Lucas Cuevas, respectivamente. Em Confesso, uma jovem adulta vai pela primeira vez a uma sessão de terapia e relembra os amores de sua vida. Já em TUDO, um ator perseguido por uma sombra procura entender a origem daquela figura. Os solos encantavam os espectadores, seja pelo humor nostálgico de Confesso, seja pela inventividade de TUDO revelando os talentos de seus autores-intérpretes.
*Confesso e TUDO fizeram suas primeiras apresentações na 2ª Mostra de Solos Autorais realizada nO Andar nos dias 08 de junho, ao lado do solo Quando você descobriu que era feio?. Unidos em uma única noite de apresentação, os dois solos realizaram sua primeira temporada entre 16 de setembro e 14 de outubro na Zona Franca, com uma apresentação extra dia 15 de novembro.
Dom Casmurro, o musical (2024), de Davi Novaes (texto) e Guilherme Gila (canções) a partir do romance de Machado de Assis
Existem várias coisas impressionantes em Dom Casmurro, o musical. Uma delas é sua trajetória de produção que teve início com a captação de recursos por meio de financiamento coletivo na plataforma Benfeitoria e terminou com duas indicações ao prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) nas categorias de Melhor Ator e Melhor Espetáculo.
Com texto de Davi Novaes e músicas de Guilherme Gila, o musical adapta o romance homônimo de Machado de Assis. Na trama, Bento Santiago (interpretado por Rodrigo Mercadante) narra a história de seu amor por Capitu (Luci Salutes) e a desconfiança de que ela o teria traído com seu melhor amigo, Escobar (Cleomácio Inácio). Sob a direção de Zé Henrique de Paula, a simplicidade do cenário, composto por algumas cadeiras de madeira e um fundo azul escuro, direcionava todos os olhares para a atuação do elenco e seu jogo de cena. Além do trio de protagonistas, Dom Casmurro também tinha em seu elenco atores e atrizes com trajetórias interessantíssimas no teatro - são eles: Nábia Villela, Larissa Carneiro, Fábio Enriquez e Eduardo Leão. Outro destaque também vai para as canções, cujos gêneros variam entre o Rock e a MPB, em especial o número que introduz nossa heroína “Eu, Capitu”.
*Dom Casmurro, o musical esteve em cartaz de 04 de novembro a 10 de dezembro no Teatro Estúdio.
Noites Brancas (2022), a partir do romance de Dostoiévski [Companhia Bípede]
Adaptação do romance de Dostoiévski, Noites Brancas retrata o encontro de um homem (Thiago Winter) e uma moça (Alana Oliveira) em meio a uma noite de inverno em São Petersburgo. Desacreditados no amor, ambos acabam encontrando conforto um no outro. Em uma montagem sensível dirigida por Felipe Salles, os personagens foram elaborados valendo-se de técnicas de palhaçaria o que traz muito charme e calor para uma história que facilmente cairia na melancolia.
*Noites Brancas esteve em cartaz nos dias 25 e 26 de setembro na CULT SP Pro Oswald de Andrade (anteriormente conhecida como Oficina Cultural Oswald de Andrade). O espetáculo fez sua estreia em 23 de fevereiro de 2022 no Teatro Leopoldo Fróes do Centro Cultural Santo Amaro.
Para não Gritar (2024), [Cia. A Flor da Pele]
Para não Gritar é um musical biográfico que conta a história de Caio Fernando Abreu, um dos maiores escritores brasileiros. Ele fez parte da geração de 1980, escrevendo sobre sexualidade (ele era gay) e sobre o convívio com o HIV/AIDS, infecção da qual ele viria a falecer em 1996. A peça se inicia com a chegada do fantasma (ou do espírito) de Caio na casa em que ele viveu em seus últimos anos de vida - o escritor é interpretado por todos os cinco atores do elenco. A escolha não-óbvia do biografado e o enquadramento narrativo são o que tornam este musical tão interessante de assistir. Ao mesmo tempo, é interessante notar que a trama não se importa realmente em contar a história de vida de Caio, mas procura entender a pessoa que foi esse escritor: seus sentimentos, suas motivações, as questões que ele tem relacionadas a sua sexualidade e o diagnóstico do HIV. Tudo isso enquanto a dramaturgia mistura contos e cartas para mostrar uma pessoa que revisita sua história de vida.
*Para Não Gritar fez sua estreia nos dias 22 e 23 de maio no Sesc Santo Amaro. Fez uma temporada de 5 a 28 de julho na SP Escola de Teatro e também fez duas apresentações especiais em 12 e 13 de agosto no Teatro do Núcleo Experimental.
Pequenos Burgueses (1901), de Máximo Gorki [Companhia Bípede, 2024]
Em 2020, estudantes do Célia Helena Centro de Artes e Educação se juntaram para montar Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki, dando início ao que se tornou a Companhia Bípede - cujo nome faz alusão a um solilóquio da peça. Quatro anos depois, a peça é encenada como parte do repertório do grupo. A trama retrata o cotidiano da família Bessemov nos anos que antecedem a Revolução Russa de 1917. Por mais que os filhos possuam visões políticas mais progressistas em relação a seus pais, o choque de classes realmente ocorre entre o núcleo familiar e os inquilinos que alugam os quartos da residência dos Bessemov. Trata-se de uma montagem bastante dinâmica e divertida, recheada por momentos musicais onde o elenco tocava e cantava ao vivo, demonstrando como, ainda que jovens, a o grupo possui muito talento.
*Pequenos Burgueses fez sua estreia dia 03 de outubro de 2024 no Teatro Ágora, onde permaneceu em cartaz até o dia 25 daquele mês. O espetáculo também realizou uma sessão extra no Teatro Itália dia 14 de novembro.
Stella Dalva (2023), de Gabriela Gatti, Leticia Spanghero e Lucas Cuevas
A Incubadora de Musicais, projeto realizado pelo Núcleo Experimental em 2023, já está rendendo frutos. O espetáculo Stella Dalva escrito por Gabriela Gatti, Leticia Spanghero e Lucas Cuevas realizou duas leituras encenadas no final deste ano. O musical conta a história de duas irmãs, Stella (Letícia Spanghero) e Dalva (Gabriela Gatti), que possuem uma banda teen em ascensão. Passado e presente se chocam no decorrer da narrativa enquanto Dalva precisa lidar com o luto após o falecimento inesperado de sua irmã mais nova.
Além das atuações divertidíssimas do elenco de apoio, uma coisa que me chamou a atenção foi a simplicidade do cenário que emulava o interior de um estúdio de gravação de música a partir de diversos tapetes sobrepostos, alguns estrados de madeira e muita parafernalha de música. Me lembrou de Phoebe Waller-Bridge contando os bastidores bastante caseiros de seu monólogo Fleabag no qual as gravações de voz-off foram feitas em um estúdio improvisado na casa da atriz com a ajuda de sua mãe e da diretora: ao ter a oportunidade de regravar as vozes em um estúdio devido a um aumento no orçamento, ela se deu conta de que a nova gravação não era tão interessante quanto as originais e voltou a utilizar as gravações caseiras. Às vezes, a simplicidade é muito mais charmosa.
Outro espetáculo que teve sua gestação na Incubadora, Quem é Juão?, de Vivian Moraes e com músicas de Jota.pê, está em fase de leituras dramáticas para possíveis patrocinadores e tem previsão de estreia para 2025.
*O musical Stella Dalva fez duas leituras encenadas nos dias 10 e 11 de dezembro no teatro do Núcleo Experimental.
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MELHORES DO ANO
Melhores peças
Azira'i
King Kong Fran
Prima Facie
Menções Honrosas
Bárbara!
Cabaré Coragem
Rei Lear
Vestido de Noiva
Miss Simpatia
Todas as Melhores Coisas
Um Porre de Shakespeare
Melhor Espetáculo Musical
Cabaret
Mutação de Apoteose
Menções Honrosas – Musical
Dom Casmurro, o musical
Torto Arado, o Musical
Destaque – Dramaturgia
Davi Novaes e Guilherme Gilla, pelo texto e canções de Dom Casmurro, o Musical
Jhonny Salaberg, pelo texto de Parto Pavilhão
Rafaela Azevedo e Pedro Brício, pelo texto de King Kong Fran
Destaque – Direção
Helena Ignez, pela direção de Vestido de Noiva
Luiz Fernando Marques, pela direção de Édipo REC
Destaque – Atuação
André Torquato, por sua atuação em Cabaret
Aysha Nascimento, por sua interpretação em Parto Pavilhão
Débora Falabella, por sua interpretação em Prima Facie
Fabi Bang, por sua atuação em Cabaret
Fernanda Torres por sua interpretação em A Casa dos Budas Ditosos
Kiko Mascarenhas por sua interpretação em Todas as Coisas Maravilhosas
Luciana Ramanzini, por sua atuação em Codinome Daniel
Marisa Orth, por sua interpretação em Bárbara!
Rafaela Azevedo (Fran) por sua atuação em King Kong Fran
Zahy Tentehar, por sua interpretação em Azira'i
Menções Honrosas – Atuação
Para o elenco infantil de Mutação de Apoteose por serem os mais carismáticos do Oficina
Para o elenco de Um Porre de Shakespeare pela coragem e pela empreitada bem-sucedida
Para o elenco de Dom Casmurro, o musical
Para o elenco de Vestido de Noiva
Nathália Timberg por sua atuação em A Mulher da Van
Fernanda Montenegro por sua leitura de Simone de Beauvoir
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Sensacional!!! Que delícia de leitura! E quantos espetáculos perdi...contudo, consegui comprar ingresso para Prima Facie em 2025. Obrigada pelas dicas!!! Marina