Por que o mercado artístico tem se interessado tanto pelo Brasil
Agora mais do que nunca, a arte brasileira está se destacando pelo mundo. No ano em que a Bienal de Veneza tem o carioca Adriano Pedrosa como curador, outras instituições culturais internacionais mostram interesse pela a nossa produção artística.
Essa repercussão não é de forma alguma uma novidade, principalmente quando temos como exemplo histórico o Modernismo Brasileiro, no início do século 20 – tão notório que foi difundido por toda a América do Sul. É inegável que estamos em uma nova onda de reconhecimento internacional, não se tratando apenas da replicação de uma ideia, como foi no Modernismo, mas sim um interesse genuíno na nossa produção e em nossos artistas. Esta atenção vai desde pesquisas de resgate, como na exposição Brasil! Brasil! The Birth of Modernism, até o mapeamento de novos artistas, como a plataforma Artsy apontando a carioca Laís Amaral como uma das artistas mais promissoras da arte contemporânea.
Aqui no Brasil, a 14ª edição da ArtRio, feira de arte que aconteceu em setembro, teve obras vendidas ainda no primeiro dia do evento e que agora fazem parte do acervo do Perez Museum em Miami. Segundo o artigo de Kabir Jhala, editor do The Art Newspaper, a arte brasileira tem recebido destaque pelo aumento da diversidade racial em galerias e por representar, na arte contemporânea, um interesse geral em perspectivas decoloniais:
Galerias agora competem para incluir mais artistas negros e indígenas, de forma a refletir melhor um país onde 56% da população se identifica como não-branca – e para atender à crescente demanda de colecionadores, tanto no Brasil quanto no exterior (KABIR JHALA, tradução nossa)
Esse interesse comum pelas pautas decoloniais vem crescendo nos últimos anos. As últimas duas edições da Bienal de São Paulo (em 2021 e 2023) focaram no racismo e na decolonização, sendo que a edição mais recente, Coreografias do Impossível, garantiu 80% das vagas para artistas não-brancos. Além disso, o 38º Panorama da Arte Brasileira, do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), intitulado 1000º, trouxe uma curadoria inovadora com 34 artistas de 14 estados brasileiros, desempenhando o papel fundamental de trazer muitos artistas periféricos para uma exposição gratuita, aberta de terça-feira a domingo – ou seja, uma das mais acessíveis de São Paulo.
A próxima Bienal de São Paulo, Nem todo viandante anda estradas – da humanidade como prática, terá como tema o resgate do conceito de humanidade, proposto pelo curador geral Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, nascido em Camarões, que hoje vive e trabalha na Alemanha. Ao lado da equipe, formada por curadores e profissionais de diversas nacionalidades, propõe um projeto curatorial inspirado nas filosofias, paisagens e mitologias brasileiras.
É uma via de mão dupla
Não apenas artistas estão ganhando reconhecimento em todo o país e fora dele, como cresce também o interesse de artistas estrangeiros pelo território nacional, a começar pela instalação de Marina Abramovic, inaugurada em fevereiro deste ano na Usina de Arte, em Água Preta (PE).
Em outubro, a exposição Homo Sapiens Sapiens, da artista suíça Pipilotti Rist, abriu na Galeria Fonte de Inhotim, museu a céu aberto de Minas Gerais. Reconhecida por suas instalações com vídeos e filmes que transformam espaços expositivos em experiências sensoriais e poéticas, o vídeo de Pipilotti foi gravado nos jardins de Inhotim em 2005 e oferece ao público uma nova perspectiva sobre os gêneros, o corpo humano, a natureza e o cosmos. Os visitantes são convidados a se acomodar para assistir ao vídeo projetado no teto da galeria. Além disso, ganhamos também a exposição Inflamação, de Anish Kapoor, para inaugurar a Casa Bradesco, em São Paulo, sua primeira individual após quase vinte anos.
Conheça, a seguir, exposições ao redor do mundo que exemplificam esse interesse generalizado pela arte brasileira:
1. Brasil! Brasil! The Birth of Modernism, na Suíça
A partir da década de 1910 e continuando até os anos 1970, artistas brasileiros começaram a adaptar tendências contemporâneas, influências internacionais e tradições artísticas nacionais para criar um tipo de arte moderna; informada pelas culturas, identidades e paisagens vibrantes do Brasil.
A vida cotidiana no Brasil tornou-se o tema desse novo modernismo. A identidade indígena e a experiência afro-brasileira estavam entre as muitas influências que esses artistas incorporaram em suas obras. Esse grupo olhava para dentro, explorando os ricos recursos culturais brasileiros para traçar um novo caminho, sem interferências europeias ou norte-americanas na produção artística nacional.
A exposição Brasil! Brasil! traz uma visão ampliada do Modernismo Brasileiro, apresentando obras de artistas como Alfredo Volpi (1896-1988), Anita Malfatti (1889-1964), Djanira (1914-1979), Flávio de Carvalho (1899-1973), Rubem Valentim (1922-1991) e Tarsila do Amaral (1886-1973). Permanece aberta para visitação até 5 de fevereiro, no Centro Paul Klee.
2. Tarsila do Amaral: Pintar o Brasil Moderno, em Paris
A exposição celebra uma das principais figuras do modernismo brasileiro, Tarsila do Amaral, artista fundamental para a construção de uma linguagem visual genuinamente brasileira. Exibida no Museu de Luxemburgo, a mostra traz um panorama das obras que marcaram a carreira da artista, destacando seu papel na criação de uma estética moderna que uniu influências europeias com a cultura local brasileira.
Tarsila do Amaral: Pintar o Brasil Moderno pretende oferecer uma visão única para o público europeu, permitindo um entendimento mais profundo sobre como a artista capturou e reinterpretou o Brasil, apresentando-o de forma inovadora e inspiradora para o mundo.
3. Lygia Clark: The I and the You, em Londres
Reconhecida por desafiar as fronteiras da arte tradicional, Lygia Clark marcou a arte brasileira ao desenvolver uma obra que incentiva a participação do público, quebrando a barreira entre observador e objeto artístico. Com uma seleção de pinturas, trabalhos em papel, uma seleção dos renomados Bichos e outras peças, a exposição destaca a evolução de Clark do construtivismo geométrico para uma abordagem sensorial e participativa, explorando a relação entre o “eu” e o “outro” por meio da arte.
4. Laís Amaral em Nova York
Além de compor o 38º Panorama da Arte Brasileira com duas pinturas, Laís Amaral apresentou sua primeira exposição individual em setembro, com a galeria internacional Mendes Wood DM, em Nova York.
Ainda que seu trabalho seja não-figurativo, justiça racial e decolonização são temas recorrentes em sua obra. Isso aparece, por exemplo, nas texturas quadriculadas feitas com pente garfo (como vemos na imagem abaixo), tradicionalmente usado no cabelo afro. Esse tipo de pente foi projetado com dentes largos e espaçados, ideais para desembaraçar e dar volume; é muito usado para modelar o cabelo no penteado black power.
"Não consigo deixar de ser ativista, mesmo quando estou apenas falando sobre cor e forma" – Laís Amaral (tradução nossa)
O artigo de Yan Catuaba, comunicador da SP-Arte, defende justamente como a pintura brasileira contemporânea está vivendo uma retomada, especialmente entre jovens artistas que exploram novas linguagens dentro dessa mídia e dialogam com questões culturais e políticas, o que pode ser entendido como um "boom da pintura" no Brasil. Segundo o artigo, a técnica se adaptou e resistiu às mudanças econômicas, históricas e tecnológicas, reconstruindo sua relevância no mercado e nos debates sociais atuais.
[...] tem sido cada vez mais comum tomar conhecimento da existência de um novo pintor, sobretudo entre os artistas mais jovens, em cena. Galerias e museus, com maior frequência, têm dedicado parte de sua programação a exposições marcadas pela presença de gêneros pictóricos. (YAN CATUABA)
Em 21 de outubro, Laís Amaral entrou para a The Artsy Vanguard 2025 – lista que, há sete anos, busca apontar "talentos excepcionais prontos para se tornarem os próximos grandes líderes da arte contemporânea". Fundada em 2009, a Artsy desempenha um papel importante de conectar artistas, galerias, colecionadores e o público em um ambiente digital, facilitando a descoberta e aquisição de obras e oferecendo análises e tendências, influenciando o cenário artístico da arte contemporânea. A artista carioca de 31 anos foi nomeada uma das 10 artistas mais promissoras da atualidade, ao lado de Holly Hendry, Hettie Inniss, Melissa Joseph, Emily Kraus, Moka Lee, Xin Liu, Chris Oh, Taylor Simmons, Agnes Waruguru.
5. Dalton Paula em Bruxelas
Mais um exemplo de pinturas que ganham destaque é Dalton Paula, que já possui alguns de seus trabalhos em Nova York, Miami e Chicago. Agora, o artista está em sua primeira exposição solo na Europa, na Bélgica, sediada pela galeria internacional Martins&Montero. Trabalha com diversas mídias, como instalações, foto e vídeo, mas é lembrado principalmente por suas pinturas de releitura.
Entre 2018 e 2020, Dalton realizou uma série de retratos de personalidades negras brasileiras apagadas pela história, como líderes quilombolas e santos de devoção afro-brasileira. Essa foi uma forma do artista resgatar essas personalidades: utilizando cores intensas e uma combinação composta por frontais expressivos com fundos monocromáticos, destacando o sujeito na tela e conferindo-lhes uma certa aura. Dalton Paula recoloca estas personalidades em sua devida posição de importância e dignidade, utilizando inclusive folhas de ouro, dando detalhe e destaque para os cabelos dessas personalidades.
A mostra apresenta onze aquarelas que ocupam um ponto essencial nos processos do artista; são os primeiros estudos para compor os retratos. Disponível para visitação até 21 de dezembro.
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