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Frederico Laffitte

A beleza pode salvar o mundo?

Resenha investiga Guerra Civil de Alex Garland e seus desencadeamentos sobre o sensível e o belo


Lançado em abril, o longa-metragem Guerra Civil (Civil War, 2024) do cineasta britânico Alex Garland indica uma variação em sua filmografia ao deixar o terror e a ficção científica de lado. O cineasta ficou conhecido mundialmente por Ex_Machina: Instinto Artificial (2014), uma ficção científica de estética sóbria e austera. Em seguida, produziu um terror lovecraftiano misturado com ficção científica intitulado Aniquilação (Annihilation, 2018); seguido por Men - Faces do Medo (2022), terror psicológico com crítica social. Guerra Civil, por sua vez, é um filme de estrada. Nele, acompanhamos a fotojornalista, Lee Smith (interpretada por Kirsten Dunst) em sua viagem de Nova York até Washington durante uma guerra civil nos EUA. Ela é acompanhada pelos colegas de profissão, Joel (Wagner Moura) e Sammy (Stephen McKinley Henderson), além de Jesse Cullen (Cailee Spaeny), uma aspirante a jornalista.


À primeira vista, a obra aparenta surfar em tendências sociopolíticas americanas. O Estados Unidos da América está dividido em movimentos separatistas tanto da esquerda quanto da direita - se levarmos o filme como comentário político, talvez isso seja uma falácia de falsa equivalência por parte do diretor e roteirista, como se os dois extremos fossem idênticos e ambos igualmente populares nos EUA. 


Além disso, o filme é repleto de cenários que provocam o ego de estadunidenses: como o dólar canadense ser mais valioso que o dólar americano; além do conflito entre uma suposta identidade americana tradicional e o sonho americano que atraiu imigrantes, conforme evidenciado na cena em que o soldado questiona o estado de origem das personagens e julga estados que são famosos por ter imigrantes como a Flórida. Outro elemento é a menção e passagem por Charlottesville, cidade onde ocorreram passeatas de supremacia branca e nazista em 2018. 


Garland cria essa camada de pequenos comentários políticos que evidenciam a própria negação do filme sobre tal assunto. Inegavelmente, Guerra Civil se posiciona de forma bem centrista sobre esse cenário, como fica evidente quando nos é revelado que um dos grupos separatistas é uma aliança entre Califórnia e Texas, estados majoritariamente de ideais políticos opostos, sem buscar dissertar sobre tal cenário político em momento algum.


Esse cenário serve, na verdade, como contexto para explorar os temas, pois trata-se de um filme de estrada. Em sua origem como gênero narrativo, e até literário, a narrativa se constroi mais a partir dos eventos que acontecem durante a jornada do que sobre o destino; trazendo mais enfoque para as relações e reações que vão acontecendo do que para o suposto objetivo - no caso do filme, a entrevista com o Presidente, um objetivo político. No entanto, também não é um filme sobre as personagens: suas relações não mudam. O conflito não está entre as personagens, mas entre elas e o mundo que as cerca. A seguinte questão é colocada: é possível sentir o belo diante do horror? Em caso positivo, esse belo tem impacto social positivo ou só dessensibilizaria o indivíduo?


Uma questão, que a princípio aparenta ser puramente estética e filosófica, carrega uma carga política. O filme traz o caso do fotojornalismo, uma atividade amplamente discutida por muitas vezes retratar e estetizar a miséria do outro, por exotizar o outro de forma colonizadora sem intervir em conflitos que são consequências dessa colonização. Mais do que isso, a questão pode ser extrapolada de forma metalinguística para o fazer artístico no cenário contemporâneo: diante de desastres ambientais, do fascismo crescente e da crise econômica, faz sentido contemplar e fazer algo belo?


Guerra Civil estetiza a guerra e questiona o porquê de nos sensibilizarmos com a foto, com a representação, mas não com a realidade. É a angústia do fotojornalismo de guerra; a estetização da violência, da miséria. A busca por uma imagem potente é também a busca por uma certa beleza. Isso é exemplificado nas cenas em que as personagens e a câmera transitam no meio da batalha em procura do melhor ângulo. Essa perspectiva não está atrelada em registrar a magnitude do evento, e sim em capturar algo mais sensível; algo que acaba por turvar uma possível distinção entre o impactante e o belo diante de cenas desumanas. Tais imagens são feitas na esperança de provocar alguma mudança.



É o dilema que ronda as personagens. De um lado, Lee encontra-se desiludida com seu ofício por tê-la dessensibilizado com a crueldade; além de a guerra ter surgido em seu país, mesmo após ter registrado tantas cenas de desumanidade como forma de alerta. Seu semblante de cansaço e desilusão quando se depara com momentos de beleza constroem os momentos mais tocantes do filme, como ao se deitar na grama e ver uma flor no meio de um tiroteio. Do outro lado, temos Joel, um jornalista cínico que sente prazer na guerra, êxtase. Após testemunhar um protesto que termina em violência, ele está em um bar assediando jovens. Pela fama, ele busca uma história ainda não contada. No meio disso, acompanhamos Jesse, uma jovem que sonha em ser fotojornalista e busca amadurecer nessa jornada, ansiosa por fazer boas fotos e capturar algo belo.



Nota-se que Garland constrói esse mundo de várias formas. Há momentos encenados da forma hollywoodiana mais tradicional para avançar a narrativa, estabelecer diálogos em cenas distantes do conflito armado. Esses confrontos ficam no fundo, algo que está sempre acontecendo fora de cena, mas marca sua presença pelo som ou pelo caos provocado por meio da profundidade do campo ou pelas ruínas que restaram. Esse distanciamento das personagens em relação ao mundo que os cerca condiz com suas condições de jornalistas: estão lá para registrar de forma que alguém aja em relação ao que foi reportado. Muitas vezes, Garland desfoca o fundo atrás das personagens como forma de ressaltar essa dessensibilização.


Quando as personagens estão nas zonas de guerra, temos dois estilos diferentes. Primeiro, uma câmera na mão como se estivéssemos na guerra, um videojornalismo que causa choque, como também adrenalina; a diversão dos espectadores que não correm riscos - novamente se relacionando com problemáticas da atividade de sensibilizar e encenar a desumanidade. Já em paralelo, também há momentos de estetização exacerbada: instantes congelados ou em câmera lenta, às vezes ilustrando as fotos tiradas pelas personagens que ressaltam o desumano, congelam aquele instante assustador e evocam o belo a partir daquilo - provocando um misto de temor e reverência para o belo do horror. Duas encenações que funcionam de forma paralela, que não se opõem, e também não se cruzam; mas caminham para a mesma direção, a captura de algo sensível.


Enfim, Guerra Civil propõe uma noção idealista de que o belo surge na contemplação, nessa distância entre observador e mundo. Essa beleza transcende a matéria, transcende o certo e o errado. Portanto retorna-se a questão principal do filme: a beleza pode salvar o mundo? Será que evocar essas emoções e contemplação e senti-las provoca algo maior? É possível, capturar e apreciar a beleza diante das inúmeras crises que assolam os dias atuais de forma que não seja escapista? Talvez seja fácil levantar essas questões sem intenção de respondê-las, e mais fácil ainda é desconsiderar que o belo também é político e está atrelado à ética. Assim, o filme se encontra em uma posição confortável e um pouco simplista, pois, deixar a questão em aberto pode ser também uma tentativa de fugir da resposta.

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