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Nicole Lopes

Viajar: A Arte de Viver

Em sua segunda crônica, Nicole Lopes reflete sobre um estilo de vida conquistado graças ao mangueio


Parece que estamos sempre em busca de respostas para perguntas que nem mesmo sabemos quais são. Viajar me trouxe muitas respostas de perguntas que eu sequer tinha feito, coisas que sequer imaginava serem possíveis ou que nunca haviam passado pela minha cabeça se apareceram pra mim. Exu disse pra mim esses dias, você anda bastante, né, moça? Já viveu muita coisa, né? Viu muita gente, muita cultura; já viu muita coisa, né, moça?


Alguns podem interpretar minha jornada como uma fuga de algo terrível, como se eu estivesse vagando pelo mundo em busca de algo para me apegar. Mas, na verdade, algo surpreendente aconteceu: descobri o sabor de explorar caminhos sem respostas definitivas, que me levam a vivenciar as muitas experiências  presenciadas por mim. Experimentei a alegria do desapego de coisas antes consideradas essenciais, e que hoje são meros luxos. Vivenciei o abraço reconfortante do destino e aprendi a confiar nos caminhos e nos meus guias.


Tantos momentos olhei para situações nas quais me vi na estrada. Como eu, na beira de uma estrada no meio do sertão da Bahia, em um posto de gasolina que nem nome próprio possui, só um apelido, “km 100” – a distância dela da próxima cidade. Inicialmente sem grana, saí de lá com o tanque do carro cheio e mais dinheiro no bolso, após conhecer um homem que, de coração, se propôs a me dar isso. Esse mesmo carro (na verdade, uma kombi) nem meu era: foi fruto de um empréstimo de uma amizade feita por esse encontro do destino, que só a estrada pode proporcionar.


Isso é só uma das não-coincidências que acontecem, frutos sempre do “mangueio” – essa palavra que carrega tanto peso, tanto significado na vida de todos os viajantes, malucos, hippies, malabaristas, artistas de rua. O mangueio faz parte constante da vida do artista de rua e cria uma autonomia necessária para sobreviver. É, antes de tudo, a arte de utilizar a palavra para conseguir algo, vender uma arte, obter  algum dinheiro, uma comida, enfim, tudo pode ser mangueado.


Já me olharam e perguntaram se eu moro na rua, se sou mendiga, se eu estou pedindo. “Nossa, mas você é tão arrumada pra morar na rua”; “Nossa, mas você não tem família”; “Nossa, mas tão bonita, tão jovem… por que está fazendo isso?”.


Arrisco dizer que uma das melhores sensações ou sentimentos que já senti na vida até agora é a certeza de que a incerteza vai me levar para lugares inimagináveis. Arrisco dizer que o desconforto nunca foi tão confortável: aquele lugar é meu. Dormir no chão e saber que vou acordar com a certeza da possibilidade da minha palavra me levar para onde eu quiser. Saber que existem coisas, pessoas que valem a pena continuar seguindo. Saber que vai ter sempre uma próxima cidade, um próximo posto, uma próxima comida a ser mangueada, a ser ganhada. E a sensação de estar com fome, manguear uma comida e ganhar ela é boa demais. Saber que você não está sozinho, que tem alguém ali; alguém que nem te conhece, mas que vai te ajudar. Sinto muita gratidão. Tudo isso é arte, os caminhos, os encontros, as esperas, as decepções e frustrações. Viajar é a arte de viver. Só tenho a agradecer aos artesãos e ao artesanato por tornar tudo isso possível.

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