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Barulho, silêncio, sussurro

Três exposições no bairro de Pinheiros, São Paulo


“Há tantos ou mais silêncios quanto sons no som […]. Mas também, de maneira reversa, há sempre som dentro do silêncio” (José Miguel Wisnik em O som e o sentido, 1989)


Na tarde de um pré-feriado, visitei três espaços expositivos em Pinheiros, todos a uma questão de passos de distância um do outro. Comecei pela exposição Abraço Coletivo, no Canteiro, terceira edição de um projeto independente idealizado pela curadora Paula Borghi. Seria um retorno dos salões de arte parisienses? Pinturas, fotografias e demais obras cobriam as paredes do chão ao teto, uma ao lado da outra, organizadas e montadas pela equipe do Canteiro.


Uma senhora sentada em uma cadeira observava as obras com cara de brava, ao passo que uma dupla de mulheres conversava e passeava pela exposição. Uma família chegou – a filha provavelmente participava da mostra como artista – e começou a tirar fotos em grupo. Um homem, que me parecia o produtor do espaço, preparava copos de água e cafezinho.


Exposição no Salão do Louvre em 1787, de Pietro Antonio Martini (1738–1797). Acervo MET Museum/The Elisha Whittelsey Collection
Exposição no Salão do Louvre em 1787, de Pietro Antonio Martini (1738–1797). Acervo MET Museum/The Elisha Whittelsey Collection

O possível salão de arte trazia uma variedade de mídias, como era de se esperar devido ao grande número de participantes (ao todo, 427) e o caráter coletivo do evento. Entre os formatos, vi muitas pinturas, fotografias, vídeos e performances, trabalhos de arte têxtil, esculturas, trabalhos em superfícies de madeira, metal, papel, pedra, pano de prato, jornal, louças, roupas. Uma barulheira de vozes e histórias e cores que talvez reflitam aquilo que já foi previsto na segunda metade do século 20 pelo historiador Giulio Argan: a arte contemporânea se tornou impossível de mapear, rastrear e organizar.


Abraço Coletivo ficou disponível para visitação até dia 3 de maio no Canteiro. Foto: Mariana Mariotto
Abraço Coletivo ficou disponível para visitação até dia 3 de maio no Canteiro. Foto: Mariana Mariotto

É barulho, mas também é vida. São histórias (ou pedaços de histórias). Como se a exibição estabelecesse a existência dos artistas por meio de pinturas, fotos rasgadas ou sobrepostas, dizeres, vistas, memórias fixadas ali. Pegadas de sonhos expostas ao lado de outras tantas autoficções e que inegavelmente permitem um outro nível de aproximação com as obras que espaços como galerias e museus não autorizam.



Não morra de sede, meu amor (2025), de Natália Xavier. Vaso de cerâmica e impressão em carbono e bordado sobre tecido. Imagens: Mariana Mariotto


Às vezes não tiro roupa nenhuma (2022-2025), de Débs G. S. Impressão UV sobre algodão canvas. Imagem: Mariana Mariotto


No meio das pedras tinha um caminho (2024), de Suely Bogochvol. Tecido de seda sobre concreto. Imagem: Mariana Mariotto
No meio das pedras tinha um caminho (2024), de Suely Bogochvol. Tecido de seda sobre concreto. Imagem: Mariana Mariotto

dor crônica (2023), de Marina Taddei. Acrílica sobre papel cartão. Imagem: Mariana Mariotto
dor crônica (2023), de Marina Taddei. Acrílica sobre papel cartão. Imagem: Mariana Mariotto
ORTSAR (2024), de Ana Furlan. Livro de artista – bordado sobre algodão cru. Imagem: Mariana Mariotto
ORTSAR (2024), de Ana Furlan. Livro de artista – bordado sobre algodão cru. Imagem: Mariana Mariotto

Entre cipós, raízes e folhas, o rendado da floresta se enuncia (2022-2024), de Mariana Fogaça. Fotografia. Imagem: Mariana Mariotto
Entre cipós, raízes e folhas, o rendado da floresta se enuncia (2022-2024), de Mariana Fogaça. Fotografia. Imagem: Mariana Mariotto

cálcio colo cálice (2025), da série desde o meu desmame, de Sarah Coeli. Impressão fotográfica em pigmento mineral sobre papel algodão, objeto em gesso e vidro e inscreção em ponta seca sobre placa de gesso. Imagem: Mariana Mariotto
cálcio colo cálice (2025), da série desde o meu desmame, de Sarah Coeli. Impressão fotográfica em pigmento mineral sobre papel algodão, objeto em gesso e vidro e inscreção em ponta seca sobre placa de gesso. Imagem: Mariana Mariotto

Em compensação, quando fui para a segunda exposição, levei um susto. Para quem estava acostumada a olhar paredes carregadas, Beira do tempo, individual do artista Thiago Hattnher (1990, São Paulo, SP), na galeria Almeida & Dale, foi para um polo completamente oposto, o que também foi interessante como experiência.


Pequenas pinturas revelam paisagens ainda menores, como se olhássemos pelo visor de uma câmera. Visualizei obras dentro de obras, todas bastante parecidas, como borrões de memórias ou paisagens que ainda permanecem de forma intocada, exatamente iguais. Como fotografias analógicas que deram errado, mas que guardam nela o segredo da vida: a luz, o movimento, a sensibilidade.


As exposições, que normalmente me trazem uma sensação gostosa de desconexão com o exterior, o mundo e os afazeres, dessa vez foi como uma cápsula vazia no meio do tempo. Por estar envolta pelo ambiente de galeria – esterilizado e até sacralizado – Beira do tempo me levou até uma cápsula de vácuo: as paredes brancas e vazias, metros de espaços entre uma obra e outra.


Beira do tempo, exposição na galeria Almeida & Dale. Foto: Mariana Mariotto
Beira do tempo, exposição na galeria Almeida & Dale. Foto: Mariana Mariotto

Esse vácuo solitário não atinge apenas a relação entre as obras, desconectando-as (por mais coerentes que sejam entre si), como também gera um afastamento entre o espectador e a proposta da exposição que, repousada dessa maneira, não dá chance de alcançar quem a vê.


Obra sem título (2024), de Thiago Hattnher. Foto: Mariana Mariotto
Obra sem título (2024), de Thiago Hattnher. Foto: Mariana Mariotto

A terceira exposição veio como um meio termo, ainda que silenciosa. Viagem ao redor do meu quarto é uma individual do pintor Paulo Pasta (1959, Ariranha, SP), organizada pelo galerista André Millan também na Almeida & Dale, que explora as similaridades entre o espaço expositivo da galeria e o ateliê do próprio artista.


Espaço expositivo e o ateliê de Paulo Pasta. Foto: Bob Wolfenson / Almeida & Dale


Assim como no livro de mesmo título do pintor francês Xavier de Maistre (1763-1852), há aqui a tentativa de representar, nos melhores detalhes, não apenas as extremidades exatas de um ateliê mas também as vivências que se criam dentro dele – essas narradas no catálogo da exposição com certa similaridade por cinco artistas, ex-assistentes de Paulo. Anotei alguns termos que aparecem em comum em todos esses pequenos relatos: Sequência, organização, rotina, rituais, frequência, repetição, silêncio, concentração, construção, cores.


As obras inéditas da exposição apresentam tentativas repetidas de representar o espaço por meio das geometrizações propostas pelas linhas e cores pasteis, típicas de Paulo Pasta, construídas em diversas camadas de tinta. Pois bem, ainda era silêncio, só que um silêncio que simultaneamente transmite e alcança. As linhas e as visíveis camadas de tinta demonstram uma busca constante pelo tom perfeito, a forma exata de comunicar aquilo que a mostra se propõe a fazer: expor similaridades, mesmo que discretamente.


Obra sem título (2024/2025), de Paulo Pasta. Foto: Julia Thompson / Almeida & Dale
Obra sem título (2024/2025), de Paulo Pasta. Foto: Julia Thompson / Almeida & Dale

SERVIÇO

Thiago Hattnher: Beira do tempo

Até 31 de maio

segunda a sexta-feira das 10h às 19h; sábado das 11h às 15h

Galeria Almeida&Dale – unidade Fradique1360

R. Fradique Coutinho, 1360 – Pinheiros, SP


Paulo Pasta: Viagem ao redor do meu quarto

Até 14 de junho

segunda a sexta-feira das 10h às 19h; sábado das 11h às 15h

Galeria Almeida&Dale – unidade Fradique1360

R. Fradique Coutinho, 1360 – Pinheiros, SP


A exposição Abraço Coletivo foi exibida entre os dias 29 de abril a 3 de maio no espaço Canteiro.

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