Resenha analisa o discurso amoroso em Amar Só, de Mariana Mariotto
Esses dias entrei em contato com um artigo chamado: Why I Write, publicado em 1976 pela jornalista estadunidense Joan Didion (1934-2021) no jornal The New York Times. Nele, a autora discorre brevemente sobre os porquês de despender horas diante de uma folha de papel; garantindo novas inflexões a sentenças que outrora caminharam por sua mente num vislumbre. Didion não só recorre ao jogo de palavras, mas também às imagens. Imagens que brilham ao redor das bordas. Imagens que brilham. Imagens.
Essa ideia ecoa instantaneamente em mim e lembro-me de Amar Só (2023), poesia de estreia da jornalista paulistana Mariana Mariotto. Nele, encontramos um conjunto de poemas, um romance em versos, um diário, uma coleção de memórias fraccionadas sobre um amor de verão que não pôde se concretizar.
É notório que Mariana constrói imagens que brilham: “foi como um sonho dourado / eu era cor de caramelo”; “gotas banhadas a ouro / descendo o caminho de suas costas”. Os versos formam uma poesia idealista que esboça a (re)construção do corpo amado, mas que também pendem nas amarguras do desejo e da decepção quando: “a gente estava se abraçando / a gente nunca se abraçou”.
As imagens cedidas pela poesia formam um espectro, uma colorimetria de palavras e sentimentos que seriam destituídos de sentido se não estivéssemos falando de amor. Um amor que idealiza, sonha, romantiza, sofre e decepciona. Um amor perdido antes de ser conquistado. Um amor salino, com um gradiente de concentração que não estabiliza e se acumula maior num dos lados. Um amor que amedronta pela brevidade dos fatos e dá vazão à escrita.
Os poemas são enumerados e a grande maioria deles possui data. O mês de setembro é prolífico: alguns dias resultam em mais de um poema que não são postos em ordem no papel. A poesia e o amor são difusos, logo, o que é lido também será. A obsessão é certeira e o leitor mergulha nesse verão, assim como a autora mergulha no entremeado de suas memórias em busca de doar significados aos seus sentimentos que ficaram à beira-mar.
“[…]
junto às outras
tantas mulheres
que o vento sopra
o tempo leva
mulheres sem rosto
mulheres sem vida
em frente ao mar
sempre à margem
de algo que
nunca mais volta
a espera sobrevivente”
(Trecho do poema 83 em Amar Só, de Mariana Mariotto)
É inevitável pensar sobre a memória no ínterim da leitura, o material analisado é constituído de metade poesia, metade memorial. Em Still Pictures: On Photography and Memory (Farrar, Straus and Giroux, 2023), a jornalista estadunidense Janet Malcolm (1934-2021) se questiona sobre a possibilidade de escrever acerca dos pais sem algum traço de falsidade ou ressentimentos. Aqui, eu questiono a possibilidade de escrever sobre nossas paixões sem floreamentos ou falta de objetividade; sem as bordas brilhantes que talvez nos impossibilitem de enxergar as nuances necessárias rumo a uma análise fiel. Na maioria das vezes, é provável que não.
Os amores de verão não criam raízes, a areia do mar é demasiado maleável para esse ato. Os amores de verão nunca acham terra à vista, sempre oscilam na liquidez dos mares: “isso aqui é minha cabeça / se fosse feita de papel / nunca em terra / sempre no mar / ou no céu”. Os amores de verão nunca acham acuidade, sempre estarão atrelados à uma luz que cega ao invés de tornar mais límpido. Os amores de verão nunca organizam, num determinado momento tudo será posto em seu devido lugar e ganhará contornos, mas só após a partida.
O fragmento de número 9 descreve o sorrir com outros olhos do eu-lírico ao se distanciar das férias de julho. Ela agora pode se dar ao luxo de brilhar como as estrelas e ver as coisas como realmente são. E quanto ao seu objeto de amor, assim como o Náufrago de Sophia de Mello Breyner Andresen, só sabemos que ele se encontra liberto na pausa branca dos poemas.
Amar Só, de Mariana Mariotto
Capa: Mariana Mariotto
Gênero: Poesia
Páginas: 109
Onde comprar: Editora TAUP - R$ 50,00
Adorei a sua análise, José! E compartilho de alguns mesmos sentimentos.